THELMA E LOUISE

Review: Thelma & Louise

O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deve ser apreciado com moderação.

É CURIOSO COMO PODEMOS PERCEBER A MUDANÇA DE CERTOS PERSONAGENS NO PERÍODO TÃO CURTO DE UM FILME. Em Thelma & Louise, por exemplo, por mais que não concordemos com suas ações, as entendemos e não julgamos.

Thelma (Geena Davis) é casada com um homem controlador e mora em uma cidade pequena no sul dos Estados Unidos. Sua amiga Louise (Susan Sarandon) é uma garçonete em uma lanchonete. As duas personagens são representações da típica mulher submissa. A premissa do filme é bem simples: as amigas decidem viajar durante um fim de semana para um chalé e aproveitar alguns dias sem as obrigações do dia-a-dia. Tudo parece dar certo. Até que um homem tenta estuprar  Thelma e, depois de uma discussão, Louise dá um tiro nele e elas fogem assustadas. E têm de fugir – afinal, como Thelma estava dançando com o rapaz, as pessoas não acreditariam que se tratava de um estupro.

Elas mudam completamente depois desse incidente. Não é uma questão de “como podemos ser corrompidos depois de alguma experiência traumatizante”, como o Tullio Dias afirmou em seu texto, mas sim duas mulheres que eram submissas a vida inteira e em algum momento tomaram o controle, se rebelando contra toda a forma de opressão que passaram em suas vidas. Talvez elas se corrompam com a liberdade que nunca tinham tido antes.

E ter noção de que elas não aguentam mais ser oprimidas é importante para compreendermos seu radicalismo. Embora façam várias coisas nitidamente erradas durante a trajetória, nós as compreendemos. Entendemos o fato de que não poderiam agir de outra forma – não depois do que ocorreu. Elas se rebelam contra qualquer forma de opressão. Por isso, o final do filme tem que ser da forma que é. Elas não poderiam se entregar à polícia. Logo, a única alternativa era morrer na perseguição, mesmo que a morte seja jogando o carro dentro do Grand Canyon.

THELMA E LOUISE

Muitos road movies são irregulares. É um erro comum ao gênero, mas, como Thelma & Louise se foca na relação dos seus personagens e no seu amadurecimento durante a trama, a irregularidade não ocorre. Oras, é incrível perceber como a Thelma que escreveu um bilhete para seu marido avisando que passaria o final de semana fora é a mesma Thelma que assaltou um mercado pois teve seu dinheiro roubado. E essa relação entre suas personagens não poderia ocorrer sem as atuações magníficas da Susan Sarandon e Geena Davis (ambas indicadas ao Oscar de melhor atriz, mas perderam para Jodie Foster em sua excelente atuação em Silêncio dos Inocentes). Outra atuação muito boa do filme é a do Harvey Keitel, que interpreta um policial que entende as personagens (a única pessoa que as compreende e age de forma empática com elas. Infelizmente, a atitude dele é em vão, já que não consegue salvá-las).

O filme é roteirizado pela Callie Khouri (que ganhou o Oscar por seu roteiro) e dirigido pelo Ridley Scott. É interessante perceber que o longa, que é um road movie e um estudo feminista de personagens, foi dirigido por um autor que ficou conhecido por histórias de ficção cientifica – como Alien e Blade Runner, obras primas do gênero.

O filme se auto-sabota em alguns momentos, como nos flashbacks depois da cena final, tentando evocar alguma nostalgia no espectador. Mas, como o Tullio já falou, tudo o que isso faz é ser brega. Outra parte desnecessária do filme é uma que envolve um ciclista maconheiro. Na verdade, muitas partes do filme poderiam ser cortadas, como a famosa cena da bunda do Brad Pitt – aquilo não acrescenta nada. Também creio ser um erro a explosão do caminhão do pervertido, que parece bastante apelativa (e não é justo com o personagem, pois ele não é um machista padrão, e sim um retardado com o QI de uma morsa).

Eu chamei o filme de estudo feminista de suas personagens, e é algo assustador que eu tenha que chamar de tal forma, considerando que a única coisa que ele faz é ser um retrato humano de seus personagens. O espectador sequer aprova as atitudes de suas personagens, mas o filme as humaniza, e é essa humanização que o transforma em algo tão grandioso.
Título original: Thelma & Louise
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Callie Khouri
Elenco: Susan Sarandon, Geena Davis, Harvey Keitel, Michael Madsen, Brad Pitt
Lançamento: 1991
Nota:[quatroemeia]