Um Ano Mais

A VIDA DE UM CASAL QUASE sexagenário na Inglaterra pode não ser muito interessante – e de fato não é. Ele, Tom, é um engenheiro geólogo que, bem… faz buracos. Ela, Gerri, é uma psicóloga que, por vezes, leva para casa as frustrações dos pacientes. Um Ano Mais, de Mike Leigh, acompanha Tom e Gerri em um ano de suas vidas. Não é “o” ano, e nem os 365 dias mais incríveis de suas existências. É apenas mais um.
A cotidianidade do filme é perceptível quando quase todas as cenas acontecem no ambiente doméstico. O sentido de começo, meio e fim não existe em Um Ano Mais. O início não é marcado por um grande acontecimento que muda a vida dos personagens principais, e sequer o final, que apenas encerra o ciclo que começou na primavera e vai até o inverno seguinte.
Os nomes dos protagonistas podem lembrar o gato e rato do desenho animado, mas as semelhanças param aí. Tom e Gerri têm, na verdade, o que todos desejamos alcançar quando chegarmos à maturidade: um amor sereno, que se completa.

Mas este não é um filme sobre amor – ao menos, não totalmente. É um filme sobre companheirismo, amizade, maturidade, solidão, família, morte, felicidade e tantos outros assuntos que surgem à mesa dos anfitriões, que sempre recebem amigos para refeições regadas a vinho e risadas.
Jim Broadbent e Ruth Sheen têm uma química notável, que faz com que pareçam um casal de verdade. Mas o destaque vai para Lesley Manville, que interpreta a carente e solitária Mary, colega de trabalho de Gerri. Vale citar ainda a ótima Imelda Staunton, que aparece brevemente como uma das pacientes da psicóloga, em uma atuação carrancuda e dura – no bom sentido.
É impossível não fazer um paralelo entre Um Ano Mais e o filme anterior de Leigh, Simplesmente Feliz, verdadeiros opostos. Enquanto o primeiro acompanha o cotidiano de um casal feliz de forma quase melancólica, o segundo (que, na verdade, veio primeiro) acompanha a solteirona Pauline, que tinha motivos suficientes para ficar triste, insiste em sorrir em todas as cenas.
No caso deste novo longa, é possível dizer que é um filme sobre nada e tudo ao mesmo tempo. Pouca coisa de fato acontece, mas o diretor aposta em cenas cotidianas para imprimir, nos olhares mais sutis, os laços de amizade e afeto. Um brinde a isso.
São três caipirinhas e meia, garçom.