Entrevista: Raphael Montes

O ESCRITOR CARIOCA RAPHAEL MONTES É UM verdadeiro fenômeno. Ele publicou seu primeiro romance em 2012 e hoje, o jovem de 26 anos tem 4 livros lançados (sendo que um deles, Dias Perfeitos, foi publicado em 14 países), e participou de coletâneas como Heróis Urbanos e Rio Noir, onde seus contos aparecem ao lado de nomes como Rubem Fonseca, Luís Fernando Veríssimo e Tony Bellotto. Como se isso não fosse o bastante, Montes foi um dos roteiristas das séries Espinosa (GNT-2015) e Supermax (Globo-2016), é colunista do jornal O Globo, já foi elogiado publicamente pelo dramaturgo Walcyr Carrasco e estreia, na próxima quinta-feira, dia 27/04, como apresentador na TV Brasil com o programa Trilha de Letras, às 21h30.

Em entrevista por whatsapp (sim, temos que aproveitar as praticidades proporcionadas pela tecnologia), o autor de Suicidas (2012), Dias Perfeitos (2014), O Vilarejo (2015) e Jantar Secreto (2016) nos falou um pouco mais sobre o seu trabalho.

 

CdB: Você já expressou sua admiração pelos trabalhos de Michael Haneke, Quentin Tarantino, Woody Allen e Alfred Hitchcock. E no cinema nacional, tem alguém que você admira e acompanha o trabalho?

RM: Fala, moça. Tudo bem? Eu sou bastante influenciado, sim, por esses diretores que você mencionou e busco assistir bastante ao cinema nacional. Pessoalmente, gosto de alguns diretores que fizeram algumas obras recentes. O Lobo Atrás da Porta, do Fernando Coimbra, que é um diretor que eu particularmente gosto bastante e tenho curiosidade de saber o que mais ele vai aprontar por aí, o “Zé” Padilha eu acho o máximo, e o Afonso Poyart, diretor de 2 Coelhos e Aldo, que também trabalha com efeitos e tem uma dramaturgia que me interessa bastante. Pra mim, esses 3 são os diretores que eu mais gosto, sem dúvida, hoje em dia, no Brasil. E não à toa, são diretores que foram lá pra fora, porque fizeram filmes bem feitos, simples, de dramaturgia eficiente, boa fotografia, bons atores, e é o que eu sinto falta no cinema nacional, um pouco, de boas histórias sendo contadas.Naturalmente, fazendo um cinema bem diferente do que eu faço, não chega a ser uma referência, mas são diretores que eu gosto, a Anna Muylaert e o Kleber Mendonça Filho são diretores que me agradam, mas não chegam a me influenciar, eu acho.

CdB: Seu livro mais recente, Jantar Secreto, critica abertamente o contradição em comer a carne de alguns animais e desprezar o consumo da carne de outros. Como surgiu a ideia do livro? A intenção inicial era criar um cenário mórbido ou primeiro surgiu a ideia de sugerir uma reflexão acerca do consumo de carne?

RM: Eu acho que tudo surgiu ao mesmo tempo. Eu já estava com certa vontade de falar sobre hábitos alimentares, sobre vegetarianismo há algum tempo. Desde Dias Perfeitos, em que o personagem é vegetariano, esse assunto ronda meus interesses. E a minha ideia sempre foi falar de maneira que não fosse um panfletário, ou seja, não acho que Jantar Secreto é uma defesa aos vegetarianos, é simplesmente um convite ao debate, um convite à reflexão. De maneira nenhuma é didático ou vigilante contra quem come carne, porque eu acho uma balela fazer esse tipo de vigilância. Então, eu queria, sim, falar sobre esse assunto, e as minhas ideias surgem muito da hipérbole, ou seja, na medida em que eu queria falar sobre por que a gente come carne e, na proporção em que o sabor faz com que você possa comer uma carne e justifica a violência que precede a chegada da carne à sua mesa, eu levanto a pergunta “E se a carne humana for a mais gostosa de todas? Neste caso, estaria justificado? Sim ou não? E, estando justificado, que carne seria essa, como seria obtida?” E aí, sim, eu entrei na parte, digamos, mais mórbida do livro. Eu acho que Jantar Secreto é um livro que equilibra suspense, terror, muito humor-negro, muitos debates também e reflexão. Eu acho que a ideia era justamente fazer esse combo.

CdB: Como aconteceu o convite para participar das séries Supermax e Espinosa?

RM: Foram convites diferentes, na verdade, porque eu já escrevia literatura, já era escritor publicado e razoavelmente conhecido quando a produtora Zola entrou em contato pra me convidar pra escrever uma série, que era Espinosa, baseada nos livros de Luiz Alfredo Garcia Roza. Eu já tinha lido todos os livros do Luiz Alfredo, eu era fã, mas eu não conhecia nada de roteiro, então eu disse a eles “Olha, eu entendo de romance policial, conheço toda a obra do Luiz Alfredo e também literatura policial ao redor do mundo e no Brasil, mas não entendendo de roteiro”. E aí a proposta foi justamente essa, uma troca. Eu ajudaria na parte policialesca e eles me ajudariam na parte técnica de formatação de um roteiro e foi incrível o trabalho. Eu confesso que adorei, foi muito divertido, foi muito interessante poder fazer isso com essa turma e um aprendizado incrível. O convite pra Supermax, na verdade, veio por eu já ter feito outro projeto pra Rede Globo, de terror, e eles estavam querendo fazer então uma nova série que também fosse de terror, chamada Supermax, reunindo uma grande equipe de roteiristas, alguns mais experientes, outros menos experientes, cada um na sua área de interesse, então tinha o Raphael Draccon, que era de fantasia, o Dennison Ramalho, que é um grande diretor de terror, o Bráulio Mantovani , que é um grande roteirista. A chefia era do Marçal Aquino e do Fernando Bonassi, que são roteiristas muito experientes, estão há anos na Globo fazendo trabalhos bem legais em séries de suspense. Então a ideia era reunir toda essa equipe e eu fui chamado justamente para ajudar nesse lado policial, suspense, mistério em Supermax. Foi muito legal também, foi uma equipe muito grande e vivemos pela primeira vez a experiência de fazer um writers’ room, que é uma coisa muito comum lá fora, nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil ainda não era assim que funcionava a criação de séries. Foi bastante interessante participar de um writers’ room brasileiro.

CdB: você tem a intenção de escrever um novo livro de horror como O Vilarejo ou seu plano é seguir com romances policiais?

RM: Eu tenho vontade de alternar e de continuar fazendo romances policiais e de suspense, pela Companhia das Letras, e fazer romances de terror, talvez até de um terror um pouco mais sobrenatural do que O Vilarejo, publicados pela Suma de Letras, que é um selo também da Companhia das Letras. Então, sim, a ideia é continuar fazendo terror, pela Suma, e suspense, pela Companhia.

 

CdB: Suicidas e Dias Perfeitos já viraram peças de teatro e O Vilarejo vai ser adaptado para o cinema. Como você se sente com as mudanças necessárias para cada formato?

RM: Na verdade, os 4 livros estão vendidos para o cinema, e o próprio Suicidas até já tem roteiro, não escrito por mim, mas por uma outra pessoa. O Vilarejo eu participo da equipe de roteiristas, o Dias Perfeitos ainda não tem roteiro, e como você mencionou, Suicidas e Dias Perfeitos viraram peças de teatro. Eu, particularmente, sou um autor bastante desprendido dos meus livros e acho que as transformações não só são importantes, como necessárias para que o livro, na medida em que transposto, seja para os palcos, seja para a tela, conte no fim das contas uma boa história. Eu acho que essas mudanças são importantes para que a história seja contada. Então, na verdade, é até curioso que no caso das peças de teatro, principalmente do Suicidas e Dias Perfeitos, eu mesmo virei pro diretor e falei “Cara, muda mais”. Eu acho que trair é importante, ou seja, algumas coisas funcionam muito bem no livro, mas não funcionam quando transpostas. N’O Vilarejo também aconteceu a mesma coisa. Por exemplo, pra quem leu o livro, tem 3 irmãs, 2 delas gêmeas, que escrevem num caderno, querem ser escritoras, e isso estava na primeira versão do roteiro, que eu não fiz, eu trabalhei na segunda versão do roteiro. E aí, logo que eu entrei, umas das primeiras mudanças que eu propus foi “Olha, não dá pra elas serem escritoras, porque isso não é imagético. Vamos fazer essas 3 crianças imitando as pessoas do vilarejo numa peça de teatro, elas fazem teatro, porque aí sim, elas podem brincar de imitar as pessoas, torna divertido e imagético, que vai funcionar no cinema”. E aí, o argumento foi “Mas no livro elas escrevem” e eu falei “No livro elas escrevem, no filme elas encenam”. Então, pequenas mudanças eu acho que são bastante importantes e, às vezes, grandes mudanças também são importantes. Eu nunca tive nenhuma grande mudança, eu acho, mas caso houvesse eu acho que é importante eu ter pra mim que o livro é escrito por Raphael Montes e a peça de teatro e os filmes são fruto de um trabalho coletivo, passam por muitas pessoas, por muitas mãos, por muitas aprovações, por muitas restrições de orçamento, de produção. Enfim, vários aspectos devem ser analisados na hora de se pensar em uma peça de teatro ou em um filme e, nessa medida, eu sou só mais 1 elemento dessa cadeia produtiva. Então, confesso que não me importo, não, com as mudanças, acho que elas são essenciais.

CdB: Você pode adiantar a ideia do próximo livro pra gente?

RM: Infelizmente, eu não posso e o motivo é muito simples. Eu, na verdade, não tenho ainda [a ideia de] qual é o próximo livro. Eu tenho ideias, tenho ideia de um romance de suspense, ideia de um romance de terror, ideia de algumas coisas que eu gostaria de fazer, mas eu não sei qual delas eu vou levar adiante. Enfim, tem umas 4 ideias na fila aí, vamos ver qual vai ser a próxima. Por enquanto, não posso adiantar nada. Confesso que ainda nem comecei a escrever o próximo livro. Vamos esperar.

CdB: Existe a intenção de levar a peça Dias Perfeitos para fora do Rio de Janeiro?

RM: A peça do Dias Perfeitos estreou há duas semanas [em março de 2017] aqui no Rio de Janeiro. É uma adaptação do mesmo pessoal, do mesmo produtor e o mesmo diretor que fizeram, no ano passado, Suicidas, a adaptação do meu livro Suicidas para a peça de teatro Roleta-russa. A peça de teatro Roleta-russa teve apresentações em 2 ou 3 teatros em São Paulo e também em 2 ou 3 teatros aqui no Rio de Janeiro. Eu não tenho certeza, mas acho que foram 2 aqui no Rio e 3 em São Paulo. Foram temporadas muito legais, então no final foram 5 temporadas da peça de teatro no Rio-São Paulo. Acabou não acontecendo em nenhuma outra cidade justamente porque era muito caro levar o todo o elenco e tudo mais, a não ser que houvesse um convite ou coisa assim. Caso contrário, não funcionava. O Dias Perfeitos foi a mesma coisa, eu autorizei que fizessem a adaptação, a adaptação não é minha, eu realmente só cedi os direitos. A adaptação do texto é do Cezar Baptista, que é também o diretor. E a produção é do Hélio Solto, que faz o personagem Téo. Eu realmente não tenho como saber se eles vão viajar pra São Paulo ou pra outras cidades e estados. Eu espero que sim, mas não tenho qualquer influência sobre isso, na verdade.