The Crown – Review de Temporada

A Família Real britânica sempre esteve no imaginário popular e frequentemente é retratada pelo Cinema e pela Televisão. Seja em produções sérias com precisão histórica, ou comédias mais leves e despretensiosas, falar sobre os nobres do Reino Unido é um assunto que sempre está em alta, especialmente quando abordado de forma mais íntima e pessoal. A mais nova produção dessa leva é The Crown, nova grande série dramática da Netflix que acompanha o início do reinado de Elizabeth II e os obstáculos que ela teve que superar para se tornar a grande monarca que é hoje.

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Criada por Peter Morgan (A RainhaFrost/Nixon) e com produção executiva de Stephen Daldry (Billy ElliotAs Horas), a série se inicia em 1947, com a cerimônia de naturalização do Príncipe Philip (Matt Smith), em que ele abandona seus títulos reais da Dinamarca e da Grécia para se tornar um cidadão britânico, adotando o sobrenome Mountbatten, para poder ser casar com a então jovem Elizabeth (Claire Foy), enquanto o Rei George VI (Jared Harris) encontra-se cada vez mais doente. devido a um câncer no pulmão. Passados alguns anos, o Rei acaba falecendo, tornando Elizabeth, na época com apenas 25 anos, a mais nova monarca do Reino Unido. A partir daí acompanhamos a vida turbulenta de Elizabeth, lidando com todas as responsabilidades, deveres e, principalmente, sacrifícios de uma rainha sendo extremamente jovem e sem o preparo adequado, mas aos poucos desenvolvendo e aprimorando suas habilidades e aprendendo a se tornar uma líder.

Primeiramente é necessário destacar a satisfação de assistir uma série onde todos os episódios são escritos pelo showrunner. Além de criar uma sensação de unidade, não vemos nenhum episódio filler, onde nada de realmente relevante acontece, tornando uma maratona da série muito mais prazerosa. Claro que não se pode ignorar o fato de que o material original que inspira a série é altamente proveitoso (a história da Família Real britânica no século XX parece ter sido roteirizada, tamanho o número de reviravoltas), mas sem o talento de Peter Morgan para contar histórias de nada adiantaria esse material promissor. Felizmente, essa não é a única qualidade do ótimo roteiro de Morgan. Experiente em adaptar momentos históricos, Morgan mais uma vez aborda a vida pessoal de Elizabeth II com a mesma precisão e intimismo presentes em A Rainha mas, diferente do filme, que retrata a monarca de forma mais alcançável e de fácil relação com o público, em The Crown ele intensificou a pompa e a circunstância que a cercam, para evidenciar a importância do cargo que assumiu, mas ainda a tornando extremamente humana e vulnerável. E isso se aplica a todos os outros membros da Família Real; ao mesmo tempo em que os vemos como seres humanos normais, enfrentando problemas ordinários do dia-a-dia, percebemos o quão distantes eles estão da nossa realidade, não só por serem nobres, mas também pelo modo como eles mesmos se enxergam e enxergam o mundo ao seu redor.

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Agora vamos falar sobre o elenco: apesar de já esperar a competência de todos os atores e de todos eles entregarem performances sólidas, não há como não falar das gratas surpresas que foram Claire Foy, Matt Smith e John Lithgow. Claire, em seu primeiro grande papel de protagonista, brilha como a jovem Elizabeth, transmitindo toda a austeridade, solidez e resiliência da monarca através de gestos sutis como olhares, expressões faciais e o tom de voz, lembrando em alguns momentos a Elizabeth de Helen Mirren em A Rainha, o que prova que ambas fizeram um excelente trabalho de estudo de personagem, e assim como Mirren foi devidamente premiada por sua performance, espera-se que Claire também tenha o seu devido reconhecimento. Matt Smith, que o público conhece principalmente como o décimo primeiro Doctor em Doctor Who, surpreende por sair totalmente de sua zona de comforto, pois além de ser uma pessoa genuinamente agradável (isso pode ser o fã em mim falando mais altos, mas enfim…), seu Doctor é o mais doce, amável e cativante de todas as encarnações do Senhor do Tempo de mais de 2000 anos, enquanto que seu Príncipe Philip em muitos momentos é frio, indiferente e sarcástico, o que prova sua versatilidade e talento como ator. É interessante ressaltar que Smith é o terceiro ator de Doctor Who a entrar para o elenco de uma série da Netflix, se unindo a David Tennant, intérprete do popular 10th Doctor que também fez o vilão Kilgrave em Jessica Jones (considerado por muito o melhor vilão do universo cinemático da Marvel), e Freema Agyeman, que interpretou a Companion Martha Jones e agora faz parte do elenco de Sense8 como Amanita.

Mas a principal surpresa do elenco é John Lithgow, que interpreta o Primeiro-Ministro Winston Churchill. Lithgow já provou seu incontestável talento para a comédia como o alienígena disfarçado de ser humano Dick Solomon na sitcom 3rd Rock From The Sun, pela qual ele recebeu três Emmy de Melhor Ator em Série de Comédia, e posteriormente provou seu talento para o drama como o vilã Trinity em Dexter, mais uma vez recebendo um Emmy por sua performance, além do Globo de Ouro e do SAG Awards. Mas, mesmo conhecendo e esperando apenas o melhor dele, seu trabalho excepcional como Churchill não deixa de surpreender, não só pela força de sua atuação, tanto física quanto emocionalmente (Churchill era extremamente velho e debilitado no período retratado na série), mas também pelo domínio impressionante do sotaque inglês (Lithgow é americano). Um trabalho mais que digno de ser premiado.

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Também é necessário destacar o investimento pesado feito na série. Foram ao todo 156 milhões de dólares gastos na produção, o que deixa claro que estão apostando alto no seu sucesso, tornando The Crown o próximo carro-chefe na categoria drama do catálogo da Netflix (o que também nos faz pensar no futuro de séries como House of Cards, talvez a única com o mesmo nível de investimento, que possivelmente pode estar chegando ao fim). Tudo é extremamente grandioso e expansivo, tanto em detalhes nítidos como a direção de arte e o figurino (impecáveis) quanto em coisas mais sutis como a trilha sonora, que também não deixa a desejar (Hans Zimmer assinou o tema de abertura, e “grandioso” e “expansivo” são adjetivos frequentes quando se trata do seu trabalho).

Em resumo, The Crown teve um inicio muito promissor, é uma ótima adição ao catálogo da Netflix e uma boa pedida para quem gosta de dramas britânicos (fãs de séries como Downton Abbey em especial ficarão muito satisfeitos).  Se a série irá se tornar a nova House of Cards ou não só o tempo dirá, mas tudo indica que podemos ficar otimistas. Podemos dizer, inclusive: vida longa a The Crown (um péssimo trocadilho, mas não consegui pensar em nada melhor, me perdoem).