Direto do Indie 2010 Parte 2: Kiyoshi Kurosawa e A Outra

Se Vire Ou Se Dane! (Katte ni shiyagare!! Godatsu keikaku) é uma série de seis filmes que estão sendo exibidos no Indie deste ano na retrospetiva do diretor japonês Kiyoshi Kurosawa. Tomando como referencial as sinopses de seus (23!!) filmes, nota-se que suas histórias são diversas, embora exista um tema central. Neste Se Vire Ou Se Dane! O Roubo, a primeira parte da série que narra a história de uma dupla de trambiqueiros japoneses Yuji (Sho Aikawa) e Kosaku (Koyo Maeda), vemos já na primeira cena um golpe aplicado pelos dois: eles roubam uma quantia em dinheiro de um vendedor local e fogem sem saber que o que roubaram na verdade era o pagamento de uma dívida com a yakuza. Perseguidos, os dois correm para sobreviver, já sem o dinheiro. Yuji fica mais ferido e acaba coincidentemente sob os cuidados de Ryoko, professora de um jardim de infância por quem se apaixona. Mal sabe ele que à noite, Ryoko é Candy, hostess de um cabaré suspeito por quem seu amigo Kosaku também se apaixonou. A briga pela mulher amada fica de lado, quando tentam ajudá-la a reunir a quantia necessária para levar seu pai, doente dos rins, para os EUA, onde conseguiria uma operação (fato que justificaria a vida dupla da doce Ryoko). É claro que os meios para isso serão os menos lícitos. Atrapalhados como são, tudo pode dar errado. A não ser que seus adversários sejam mais atrapalhados ainda.
O filme é muito divertido. Imaginem uma mistura de Trapalhões na sua melhor época com um filme dos Irmãos Cohen. É o que se tem em Se Vire Ou Se Dane!. Muito recomendado, e todos serão exibidos em sequência no mesmo horário no Cine Humberto Mauro. Eu não perco um. Tem potencial pra refilmagem hollywoodiana.


Já com A Outra (L’autre) o tom muda completamente. O filme francês dos cineastas Patrick Mario Bernard e Pierre Trividi começa com um intenso movimento de uma cidade que não importa muito, já que o que se vê é familiar a toda grande metrópole. Através de uma edição não-linear que vai situando o espectador aos poucos ao mesmo tempo na história e na psiquê da protagonista, conhecemos Anne-Marie (Dominic Blanc, fantástica, tensa, entregue) mulher madura (tem 47 anos), sedutora e que busca independência e liberdade quando rompe um sólido relacionamento com Alex (Cyril Gueï), que dizia amá-la. Mas na busca pela pretensa liberdade vem a solidão, e a constatação de que não era tão insubstituível assim na vida do ex-amante. Já não era mais “a” mulher que reunia as qualidades que o atraíam. Era apenas “mais uma”. Anne-Marie é descartável. Descobrir quem é o novo amor de Alex acaba se tornando uma obsessão. Com isso vem a derrocada emocional e psicológica. Recomeçar não parece ser tão fácil quanto recomenda o comercial de TV. Anne se cobra uma independência e uma auto-suficiência inatingíveis a qualquer ser humano, independente do gênero. O ideal da independent woman não preenche todas as lacunas.
Ciumenta, insegura, quase violenta (já o é nas suas fantasias onde se imagina atirando à queima roupa nesta mulher que ela tenta a todo custo conhecer). Esta “outra” a que se refere o título é também ela mesma, e esses sentimentos/vontades que lhe eram estranhos até então. Depois do ápice da insanidade (cena fortíssima à qual somos levados também num segundo momento, agora com uma certa familiaridade já que conhecemos as motivações daquela mulher) vem a busca pela reconquista da razão. Mais triste que assistir à loucura, é ver alguém que percebe até aonde pode chegar, e tem que continuar vivendo. O final deixa uma sensação de peso, justamente pela possibilidade das situações vistas. Mais um filme sensacional do Indie deste ano.