Além da Vida

Clint Eastwood mais uma vez presenteia o cinema com um filme comovente e sensível. Contando com Matt Damon, Cécile de France e os gêmeos George e Frankie McLaren no elenco principal, o diretor demonstra todo o seu brilhantismo na forma de conduzir os atores e colocar apenas o melhor nas telas. A sensibilidade do diretor é tanta que ele consegue fazer um filme com temática espírita parecer como um belo drama sobre amor, perda e solidão, sentimentos tão comuns para pessoas de qualquer parte do mundo.

Além da Vida é sobre três histórias paralelas, que acabam convergindo de uma forma natural e emocionante. George (Damon) interpreta um médium relutante que vive nos EUA, decidido que o seu dom é na verdade uma maldição e se recusa a ganhar dinheiro estabelecendo o contato entre os vivos e os mortos. Em suas tentativas de mudar de vida, acaba tendo um pequeno caso amoroso com Melanie (Howard). O casal protagoniza uma das melhores cenas do filme, quando ela fica vendada durante uma aula de culinária e precisa adivinhar o que é que ele está colocando em sua boca. A tensão sexual entre os dois personagens explode e o resultado é uma bela, sensual e provocativa cena onde a ausência dos sentidos diz tudo. Do outro lado do mundo, a francesa Marie (France) sofre com a fúria devastadora de um tsunami na Indonésia e quase morre. Essa experiência modifica Marie, e ela passa a ser uma pessoa mais espiritualizada, decidida a escrever um livro que conte sobre aquilo que ela e outras pessoas já sentiram e viram, depois de sofrerem grandes traumas. O problema é que os seus editores e o seu chefe, acabam ficando desconfortáveis com o tema proposto, e ela é obrigada a tirar uns dias de férias para “relaxar e superar” os acontecimentos. E para encerrar, em Londres, dois irmãos gêmeos (os novatos McLaren) tem que lidar com a mãe viciada em drogas e com o serviço social. Mas tudo piora depois que um dos gêmeos sofre um acidente e morre.

O começo do filme conta com uma sequência digna do que os filmes de Michael Bay e Rolland Emmerich tem de bom: destruição em massa com uma boa dose de adrenalina e bons efeitos especiais. Felizmente, Além da Vida não tem as mãos desses dois gênios do desastre (entenda como quiser), e a rápida sequência do ataque devastador do tsunami mostra que Clint Eastwood consegue dosar bem as coisas que aprendeu no passado com o seu presente mais moderado e sensível. Enquanto a personagem de Cécile de France é sugada pela força das águas, a camera de Eastwood consegue transmitir o desespero da personagem sem nos deixar tontos pela velocidade em que tudo acontece. Uma outra cena que merece ser mencionada, cenas que sempre são acompanhadas da delicada trilha sonora de autoria do próprio diretor, é quando o acaso (ou azar) impede o gêmeo sobrevivente de entrar dentro de um trem. Talvez muitos já tenham tido a sensação de que não deveriam sair de casa num dia e depois descobrem que o ônibus que você pega todo dia foi assaltado naquele mesmo horário em que você sairia. Estas são as famosas “coincidências” que temperam as nossas vidas e nos salvam de problemas maiores.

Infelizmente parece que mesmo com a mão e o nome de um artista competente como Clint Eastwood nada é o suficiente para aplacar a ira e os comentários desrespeitosos daqueles que, incapazes de apenas assistir um bom filme com uma bela mensagem de vida, se concentram nos aspectos religiosos e encontram defeitos no roteiro, atuações e qualquer outra coisa. Independente da religião, o cinema é feito para divertir e emocionar. Da mesma forma que Chico Xavier ou Nosso Lar não levantaram bandeira alguma para dizer qual religião é mais correta que a outra, Além da Vida tem o único compromisso de mostrar histórias de pessoas que passaram por momentos de grande dor e conseguiram buscar conforto e alívio por meio daquilo que acreditavam (e precisavam) ouvir. George passa o filme todo se achando amaldiçoado e incapaz de encontrar uma pessoa que o fizesse se sentir livre do peso de seu dom. Até encontrar Marie pessoalmente, em outra bela cena, que ilustra da forma mais verossímil possível a velha “lenda” do amor à primeira vista. O único bem comum das religiões é a valorização do amor e, lamentavelmente, até esse conceito é desigual para cada fé.

O roteiro de Peter Morgan (indicado ao Oscar por Frost/Nixon) foi inspirado na morte abrupta de um amigo. Ao contrário de todos seus trabalhos anteriores, dessa vez ele não desenvolveu planejamentos ou gastou tempo com pesquisas. Todo o processo de criação foi instintivo e natural. No seu roteiro, ele faz belos questionamentos sobre a vida após a morte. Durante a vida de uma pessoa, nós podemos conhecer e saber tudo sobre ela, mas depois que ela morre, nada disso importa e o que resta são as dúvidas. As velhas perguntas de “para onde vamos?” , “o que existe lá?”. Nas mãos de Clint Eastwood o tema virou um belo relato intimista sobre as forças do amor deste lado ou do outro lado da vida. Independente das crenças de cada pessoa, Além da Vida deve ser apreciado com atenção e carinho. E desde já, é um dos meus favoritos de 2011.

Merece quatro caipirinhas.