Cassino

O texto abaixo é de autoria da jornalista e crítica Priscila Armani, do site Mondo BHZ

MARTIN SCORSESE TEVE SUA CARREIRA MARCADA POR GÂNGSTERS. Parte considerável de sua filmografia foi dedicada a eles: sanguinários, italianos, calculistas e, o mais assustador de tudo, humanos. Seja no começo como diretor em Caminhos Perigosos, já com Robert De Niro, ou em um dos seus trabalhos mais recentes, Os Infiltrados, que lhe rendeu inclusive o Oscar, o realizador contribuiu para que “filme de gângster” se tornasse um gênero. E se tornou quase um especialista no assunto.

Mas porque será? O que o terá fascinado tanto em personalidades tão destrutivas, agressivas, capazes de matar sem dó e, ao mesmo tempo, amar com fascínio e devoção? Cassino, feito em 1995, traz um desses protagonistas, Sam “Ace” (De Niro, a parceria de sucesso mais uma vez), um booker, que sempre sabia as apostas certas em todo o tipo de jogo, o que o fez ser bem quisto entre os chefões italianos.

E se o booker é durão com os inimigos e com aqueles que querem prejudicar os seus negócios, com a esposa Ginger (Sharon Stone) ele é extremamente condescendente. A ponto de quase irritar quem está assistindo ao filme. A mulher faz de tudo com o gângster, a ponto de sentirmos mais simpatia por ele, que é um criminoso que extorque, corrompe e mata pessoas, do que por ela, colocada na história como sendo uma mulher interesseira, que nada deseja dos homens além de dinheiro, jóias e casacos de pele (clichê, clichê, clichê!). A personagem de Stone não se conforma em ser a pacífica esposa, que só fica em casa cuidado da filha. Bebe, usa drogas, mantém vida social e um caso extraconjugal (com o conhecimento do marido). E é severamente punida pelo enredo por isso. Nessa perspectiva, o filme é bastante conservador e nada criativo, dando a lição de moral de sempre (lugar de mulher de mafioso é em casa, etc e etc).

Apesar da bagunçada vida pessoal, Sam consegue “manter a ordem” no cassino Tangiers, é um homem influente e poderoso e, o mais importante de tudo, mantém o dinheiro circulando. O amigo de infância, Nicky (Joe Pesci, praticamente repetindo o personagem de Os Bons Companheiros), o acompanha nesse sucesso, mas acaba sendo mais um no jogo que deixa a ganância lhe subir à cabeça. Os dois são personagens bem rasos. Há inúmeras tentativas de humanizá-los mais, que funcionam melhor com De Niro, mas não há muito na consistência deles que nos faça morrer de amores.

Como é de costume de Scorsese, há fortes e sangrentas cenas, com direito a um torno mecânico esmagando uma cabeça. Para quem já está habituado, coisa light. Eu não sou muito fã. Não é nem de longe o banho de sangue de Os Bons Companheiros. Mas é um pouquinho pesado. Não recomendo fazer refeições durante o filme.

A narração em off predomina no começo e no final da obra, o que é, para ser sincera, bem chato. A história é um pouco complexa, acaba tendo de ser explicada demais. Seria bom se o roteiro tivesse encontrado uma forma de sabermos tudo aquilo por meio do próprio enredo, da atuação dos atores. Ficou confuso, perdi muita coisa, não deu para entender tudo. E ainda por cima dois narradores? Não funcionou.

Cassino também poderia ser menor. A história não justifica a duração de quase três horas. O enredo começa a se arrastar em determinado ponto, numa embromação sem fim. A parte mais divertida do filme é, de longe, reconhecer a mãe do Scorsese, em mais uma participação especial, como a mãe de um mafioso que acaba falando demais. Ela tem uma fala só ou duas, mas é uma senhora muito fofa e eu sempre adoro quando ela aparece. Infelizmente, faleceu em 1997 e essa foi a última produção do filho da qual participou. Uma pena.

No frigir dos ovos, creio eu que se a pessoa não assistir Cassino, não será um grande prejuízo para a sua vida cinéfila, desde que ela assista Os Bons Companheiros. Mas eu gostei de ter visto os dois, a gente aprende muito sempre que assiste a um filme. E mesmo aqueles do Scorsese que não são tão bons são sempre uma aula.

Nota: