Crítica: Mesmo Se Nada Der Certo

Keira Knightley Mark Ruffalo Begin Again Mesmo Se Nada Der Certo 2

PERGUNTA DE QUIZ: QUAL O FILME DIRIGIDO PELO IRLANDÊS JOHN CARNEY em que um sujeito tentando viver de música numa grande cidade conhece uma garota meio tímida, mas muito talentosa, e os dois gravam um disco cheio de canções bonitinhas na base do faça-você-mesmo enquanto se conhecem melhor e acabam mudando a vida um do outro? “Apenas Uma Vez!”, você exclama, lembrando do simpático musical urbano de 2007 que levou o Oscar de Melhor Canção e foi parar até na Broadway. Mas só ganha meio ponto, porque a pergunta capciosa agora permite outra alternativa: troque Dublin por Nova York, coloque Mark Ruffalo e Keira Knightley como protagonistas – respectivamente um produtor musical falido e uma inglesa amargando um pé-na-bunda do ex-namorado famoso – e a mesma descrição vale para Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again, 2014).

Mas estou sendo é injusto, fazendo parecer que a estreia de Carney nos EUA se trata de um remake, um autoplágio ou algo do tipo. Porque embora lide com o mesmo universo de “músicos pé-rapados numa comédia romântica nem tão romântica assim”, Mesmo Se Nada Der Certo tem méritos próprios suficientes para sair da sombra de seu irmão mais velho. Se em Apenas Uma Vez o diretor-roteirista compensou o baixíssimo orçamento de 150 mil dólares com personagens que eram gente de verdade, ter mais grana pra torrar não deixou Mesmo Se Nada Der Certo necessariamente mais raso: os diálogos afiados continuam lá, as competentes atuações contribuem para tornar algumas situações improváveis menos “cinematográficas” e mais pé-no-chão, e Carney se permite até invencionices bacanas, como uma cena logo no início que faz um uso elegante de efeitos visuais para colocar o espectador na cabeça viajandona de seu protagonista.

O time de coadjuvantes inclui Catherine Keener (ótima como a ex-esposa de Ruffalo), Hailee Steinfeld (a filha adolescente dos dois) e, muito apropriadamente, vários músicos que curtem dar uma canja no cinema, como Mos Def (o sócio de Ruffalo na gravadora), CeeLo Green (o rapper cujos improvisos são prontamente anotados num caderninho por um assistente) e Adam Levine, vocalista do Maroon 5 – confesso que só fui descobrir quem era o cara depois de passar o filme inteiro pensando “já ouvi esses falsetes em algum lugar” e ir pesquisar no IMDb, mas a moçada de hoje em dia com certeza reconhecerá essa e outras caras.

Keira Knightley in Begin Again

Mas o grande destaque de Mesmo Se Nada Der Certo é mesmo o casal principal. Mark Ruffalo é um bêbado falido que surge com o cabelo mais desgrenhado e roupas mais malcuidadas do que o Hulk voltando a ser Bruce Banner após uma sessão de porrada, um contraste enorme com uma Keira Knightley de voz doce, charmosos dentinhos tortos e que deixa a falsa timidez de lado quando necessário – o melhor exemplo é a canção cheia de veneno que ela compõe numa noite de fossa e deixa registrada na caixa de mensagens do ex. E se antes elogiei os diálogos, uma das grandes virtudes do filme é justamente saber deixá-los de lado e usar apenas silêncio e olhares na hora que precisa, como quando Knightley tem uma revelação ao ouvir a música nova do namorado, ou um momento chave no terceiro ato em que você quase acha que o roteiro vai abraçar o clichezão, mas é positivamente surpreendido.

Keira Knightley and Mark Ruffalo in "Begin Again"

O único senão é que, embora Knightley passe o filme inteiro reclamando que o mundo da música carece de autenticidade, fica claro desde o início que a atriz não está tocando coisa nenhuma – nem sequer trocar de acorde na hora certa ela consegue – e que todas aquelas pessoas supostamente fazendo uma sonzeira ao vivo, nas ruas barulhentas de Nova York, foram cuidadosamente gravadas em estúdio. É tudo bem mixado e redondinho demais pra soar realmente genuíno, e uma vantagem que Apenas Uma Vez, que tinha músicos de verdade como seus atores principais, tem sobre seu irmão mais novo e mais bem vestido.

Também não deixa de ser irônico a personagem de Knightley criticar em certo momento a falta de originalidade do nome do disco do ex, mas protagonizar um filme com o insosso título de “Begin Again”. Se a versão brasileira tampouco ganharia um Leão de Cannes, ao menos escapamos de um literal e novelesco “Começar de Novo”. Mas sou mais a versão portuguesa, que aproveitou o nome lusitano de Apenas Uma Vez – “No Mesmo Tom” – para criar uma “continuação não oficial” ao batizar este aqui de “Num Outro Tom”. Vale apontar que o filme originalmente se chamaria “Can a Song Save Your Life?”, que por algum motivo bizarro permanece o título oficial na Alemanha, assim em inglês mesmo.

Mesmo Se Nada Der Certo pode não salvar a sua vida, mas passar duas horas acompanhado de personagens de carne e osso e sair do cinema cantarolando uma música nova com um sorriso no rosto já salva pelo menos o dia.

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