Filme: O Homem que Elas Amavam Demais

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Adaptar um fato verídico nunca é fácil. Agora, imagine adaptar um fato verídico do qual não temos nem uma conclusão. Bom, isso não impediu André Téchiné de fazer O Homem Que Elas Amavam Demais (L’Homme Qu’On Aimait Trop, França, 2014), filme que tenta mostrar os acontecimentos que levaram ao desaparecimento de Agnes Le Roux em outubro de 1977. Isso mesmo, “tenta”, pois o diretor francês pode ter conseguido um resultado belo visualmente, mas com um roteiro mal desenvolvido e vazio. Nem Catherine Deneuve salva.

Conhecido na França como Affaire Le Roux, o caso é um mistério. Agnes Le Roux tinha apenas 29 anos quando estava tendo um relacionamento com Maurice Agnelet, advogado do cassino Palais de la Méditerranée, do qual era herdeira. Após votar contra sua mãe, Renée, na eleição para presidente do cassino em junho de 1977 e isso resultar na venda do mesmo, ela transferiu três milhões de francos para uma conta conjunta que tinha com o amante. Poucos meses depois, ela desapareceu sem deixar nenhum vestígio, o dinheiro foi parar nas mãos do homem, nenhum corpo jamais foi encontrado e diversos julgamentos foram realizados nos últimos 30 anos. Este ano, o filho de Agnelet, Guillaume, revelou que o pai assassinou Agnes na Itália e ambos os pais lhe confirmaram isso. Maurice foi condenado a 20 anos, mas continua alegando inocência, assim como sua mãe, que desmentiu o filho. Enfim, nada resolvido até hoje.

Téchiné decidiu focar no triângulo entre Agnelet (Guillaume Canet), Agnes (Adèle Haenel) e Renée (Deneuve). Tudo que foi descrito acima aparece no longa, com presença de invenções na história como forma de tentar mostrar como o desaparecimento da herdeira aconteceu mais detalhadamente e dar um toque mais dramático, é claro. O diretor contextualiza os problemas financeiros do cassino e as brigas de poder pelo seu comando, o relacionamento conflituoso entre mãe e filha, o caráter manipulativo de Agnelet e seu caso turbulento com a jovem.

Os aspectos técnicos relacionados ao cenário e figurino são excelentes; é difícil não se encantar com as belas paisagens da riviera francesa. A direção usa e abusa de cenas que destacam as praias e montanhas locais, assim como a riqueza das pessoas que vivem naquele mundo de glamour. Porém, essa é praticamente a única coisa boa do longa.

O roteiro de Cédric Anger, Jean-Charles Le Roux (filho de Renée) e Téchine é baseado no livro “Une Femme Face À La Mafia”, no qual Renée revela informações sobre a disputa entre os cassinos de Nice e o sumiço de sua filha. No papel, parece ser algo extremamente interessante e intrigante, mas o resultado é decepcionante. O que temos aqui é uma película desnecessariamente longa, sem foco e com interpretações que deixam a desejar. Quando terminou, tive a impressão de que o cineasta quis narrar os fatos que desencadearam no Affaire Le Roux e, ao mesmo tempo, explorar as relações entre o trio protagonista. Não conseguiu fazer nenhum direito.

Primeiramente, não sabemos quase nada dos personagens. Você sabe que Agnes está chegando de viagem após um divórcio e tem um relacionamento desgastado com a mãe. Esta aparece como uma mulher decidida, de personalidade forte, que tenta reatar os laços com a garota, enquanto Agnelet é tido como um advogado playboy bastante ambicioso. Mas não há nenhum aprofundamento, você não entende por que eles são assim e porque as ligações que têm entre si são daquele jeito. Por exemplo, fica claro que Agnes sofre por causa de seu passado, é ingênua – na vida real, ela tinha 29 anos, mas Haenel tinha 24 nas filmagens e parece que tem bem menos com base em suas ações e aparência – e manipulável, mas por que ela é assim? Por que ela não consegue se comunicar com a mãe direito? Por que ela abre espaço para Agnelet tão facilmente e cede aos seus encantos como se fosse uma criança querendo um doce? Ok que ela está vulnerável, mas não engoli essa dependência a um estranho que ela conheceu há pouquíssimo tempo.

Além disso, Agnes só nada na praia ou na piscina o longa todo e aparece chorando, só que como não temos a chance de conhecê-la direito, sentimos um vazio. Os diálogos também revelam muito pouco sobre ela e isso vale para os outros dois também. Haenel sabe lidar com emoções muito bem – a dança africana que interpreta é magnífica -, só que não criamos nenhuma conexão com sua personagem em função do roteiro ruim e algumas oscilações de humor bizarras nas expressões da atriz.

Vamos para “o homem que elas amavam demais”. Não sei se Canet foi mal – sempre tem a mesma feição no rosto em seus filmes – ou se o roteiro falhou com Agnelet, mas é impossível entender como que um homem interesseiro, pouco atraente e mulherengo consegue a confiança de duas mulheres, além de suas amantes e família (o roteiro mostra brevemente o seu forte lado paternal). Renée deixava um advogado louco pelo poder influenciar suas decisões? E pior, aproximar-se de sua filha da maneira que se aproximou, sem fazer nada para impedir já sabendo quem ele era de verdade? Em uma única cena, a mulher aparece na loja da filha para avisá-la sobre Maurice e o diálogo dura um minuto apenas (termina com um desmaio bizarro de Agnes). Oi?

A performance de Canet lembrou-me um pouco a de Ben Affleck em Garota Exemplar. Isto porque o americano jamais conseguiu me convencer de que era um possível suspeito do desaparecimento de Amy e ainda foi completamente ofuscado por Rosamund Pike (o francês também é ofuscado). Na adaptação de Téchiné, o francês jamais me faz acreditar que Agnelet foi realmente capaz de enganar duas mulheres tão bem e duvido muito que ambas eram tão ingênuas; é mais fácil a tese de que ele as enganou direitinho e o ator não nos convence disso nunca. A única coisa que Canet nos mostra bem é que o advogado era mau caráter e egoísta. O diretor também sugere que o protagonista é um dos suspeitos em duas cenas específicas: uma em que mostra suas habilidades com uma arma e outra em que observa fixamente pela janela catadores de lixo, os quais jogam sacos em um caminhão.

Outro defeito são as cenas finais, que narram um dos julgamentos de Agnelet, o qual o considerou inocente. A maquiagem de Canet é boa, 30 anos envelhecido (apesar dele manter o mesmo tom de voz de quanto era mais jovem), mas o resto não. Deneuve tem 71 anos, cerca de 15 anos a menos que a verdadeira Renée. Sua aparência no tempo atual do longa é aceitável, com mais rugas e os cabelos acinzentados. No entanto, no período com Agnes presente ela dá a entender que já estava velha, quando na verdade a mulher estava beirando 50 anos. Ficou estranho.

Por sua vez, a maquiagem de Françoise (Judith Chemla), uma das amantes de Agnelet, ficou vergonhosa.
A cena em si também é totalmente inútil, uma vez que não sabemos a verdadeira história até hoje, então, para que mostrar o futuro? Ainda mais quando o julgamento declara algo que, atualmente, foi desmentido pelo próprio filho do acusado. O filme estreou no mês de maio em Cannes, um mês após a revelação de Guillaume Agnelet, ou seja, o diretor poderia ter cortado a parte.

L’Homme Qu’on Aimait Trop aparenta ser um filme intrigante sobre um dos casos mais misteriosos da história da França, mas jamais faz jus ao que promete. No fim das contas, prova ser uma adaptação sem significado, que talvez não devesse ter sido feita. Afinal, por que relatar algo que não foi resolvido? Se Téchiné tivesse pelo menos apresentado os personagens de forma profunda e ignorado cenas desnecessárias (Agnes nadando diversas vezes, diálogos pobres e uma cena de sexo no campo), a produção teria sido mais agradável. Como ele não fez isso e nem o personagem título nos convence – algo primordial -, as quase duas horas de duração parecem uma eternidade, mesmo com uma última meia hora mais cativante.

Portanto, o belo cenário, a sempre ótima Deneuve e a promissora, mas um pouco decepcionante Haenel, não salvam. Evite perder o seu tempo (talvez você possa encontrar depois no YouTube a cena em que a dama francesa canta no carro “Pregueró”, de Adriano Celentano).