Filme: O Segredo de Brokeback Mountain (2005)

O Segredo de Brokeback Mountain critica

EM SETE ANOS DE EXISTÊNCIA o Cinema de Buteco deixou de falar de diversos filmes. Seria impossível imaginar que um site tão novo pudesse ter material de todas as grandes produções do cinema, mas O Segredo de Brokeback Moutain (Brokeback Mountain) era uma das grandes ausências no meu acervo pessoal. Até hoje, pelo menos. Aproveitando minha maratona pessoal no cinema western, e o fato do cineasta Ang Lee merecer ter toda a sua obra comentada no site, decidi levar adiante esse desejo antigo e falar de um autêntico clássico moderno que mistura drama e romance num clima de faroeste. Ou um faroeste em que as pistolas são substituídas pelo amor? Sim, eu sei que essa foi uma péssima analogia. Aposto que você riu, no entanto.

(10 anos depois da estreia de O Segredo de Brokeback Mountain, espero que seja dispensável comentar sobre o que se trata a história. Também espero que você não se refira à obra apenas com o “o filme dos cowboys gays” – ou g0ys, já que eles fazem questão de reafirmarem sua pose heterossexual em uma das cenas.)

A minha namorada na época de lançamento do filme fez uma colocação bem curiosa, e que poderá funcionar para uma minoria dos leitores. Para quem entende bem de astrologia e não é ignorante ao ponto de dizer que esse estudo se resume às mentiras publicadas diariamente nos jornais, imaginem que Ennis del Mar (Heath Ledger) seja um autêntico capricorniano que ama demais, mas é incapaz de conseguir demonstrar isso. Por outro lado, o sorridente Jack Twist (Jake Gyllenhaal) possui boas características de um canceriano: carente, inseguro, inconstante etc. No entanto, como se tratam de signos opostos, a atração costuma ser avassaladora. Em boa parte de O Segredo de Brokeback Mountain, Ennis se defende escondendo suas emoções. Seja com Jack ou com a coitada da esposa vivida por Michelle Williams. Jack insiste em correr atrás do seu amor, afinal, ser rejeitado é afrodisíaco para os nativos de seu signo. Bem, mas se tratam apenas de meras suposições para tornar a obra ainda mais interessante. Os signos não fazem parte da análise que vem a seguir, mas as características pessoais de cada personagem sim.

Em um verso de “Tá Bom”, o compositor Marcelo Camelo, ex-Los Hermanos, diz: “achando que sofrer é amar demais”. Para um relacionamento que começou proibido e persistiu por anos a fio, apesar de ambos manterem suas vidas com suas respectivas esposas, é difícil afirmar que a relação de Ennis e Jack fosse saudável. Longe de querer dizer aqui que não era amor, que foi apenas uma longa obsessão. Não é isso. O que acontece é que os dois foram vítimas da doença do amor trágico, aquele tipo que nunca será superado justamente por ser impossível de ser real, de se tornar a realidade. Ennis e Jack viveram uma ilusão. Um amor que só existia na montanha de Brokeback. Por maior que fossem os desejos de Jack para que eles vivessem juntos numa fazenda, não superou a sua própria vontade de ser feliz. Com certeza os sonhos foram reais um dia, mas no último encontro de ambos fica implícito o lado fantasioso de Jack: ainda esperando que Ennis mude de ideia algum dia, ele mente para o seu amor ao dizer que estava comendo a mulher de um capataz (quando na verdade, ele estava era com o sujeito de bigode casado com a personagem de Anna Faris). A mentira de Jack foi dolorosa, mas foi a escolha que precisou ser feita. A sua felicidade nunca seria plena ao lado de outro se não Ennis, mas ele não podia deixar de viver esperando para que isso acontecesse. Momentos depois, ao deixar uma pista do seu comportamento irresponsável e promíscuo, Jack (e o espectador) conhece um lado desconhecido de Ennis: ele demonstra seu amor e todo o sentimento de posse em cima do seu “amigo de pescaria”. E podemos dizer que é uma rara demonstração de posse que parece como algo positivo, pois fica claro o amor que o personagem sentia.

Viver num mundo machista foi um obstáculo que a vida colocou no caminho dos dois. Persistir nesse amor se tornou uma escolha de ambos. Eles aceitaram a condição de viverem de encontros escassos durante o ano, vivendo alimentando sonhos que nunca se realizariam, e se frustrando cada vez mais com um desfecho inevitável para aquela história de amor. Jack também optou por descontar a sua raiva em noitadas com jovens gays no México até encontrar uma outra pessoa. Não é que a traição anule o que ele sentia, mas se trata mais de entender se esse amor era mesmo real ou apenas uma maneira dele lidar com sua relação ruim com o pai. Ao buscar conforto nos braços de Ennis, e ser humilhado tantas vezes pelo seu sogro, Jack poderia muito bem ser uma pessoa incapaz de superar os traumas e sua própria carência, preferindo se apegar aos que lhe dispensam um mínimo de atenção. Bastava ser bem tratado ou receber um elogio para que Jack percebesse suas outras oportunidades.

O Segredo de Brokeback Mountain tem ao seu favor um elenco inspirado. Sob a direção sempre eficiente de Ang Lee (que venceu o Oscar pelo seu trabalho), Jake Gyllenhaal e Heath Ledger nos convencem desde a primeira cena juntos. É um desempenho cheio de intensidade, paixão, sensibilidade e sutilezas. A cena em que ambos transam pela primeira vez, logo aos 30 minutos de projeção, é inesperada e surpreendente. O trunfo do material está justamente na forma gradual de como o relacionamento dos dois foi avançando. Ang Lee não foi apressado e construiu uma base para que a cena fosse ao mesmo tempo natural e inesperada. Também no elenco temos os seios de Anne Hathaway e Michelle Williams, que vivem as esposas de Jack e Ennis, respectivamente.

Além das atuações, outro ponto de destaque no filme é a bela trilha sonora de Gustavo Santaolalla (responsável pela incrível trilha do game Last of Us, do Playstation 3 – um game que todo cinéfilo fã de zumbis deveria conhecer). Sensível, discreta e extremamente delicada, a música do compositor funciona perfeitamente para conduzir o amor impossível dos nossos dois protagonistas.

Tenho enorme interesse por produções de romance em que não exista final feliz, mas verdade seja dita, O Segredo de Brokeback Mountain acaba por ser uma exceção. A cena em que Ennis visita os pais de Jack e descobre sua camisa ainda manchada de sangue é arrasadora, mas se torna ainda melhor no plano final com o juramento de Ennis. Nesse momento, e com a morte de seu grande amor, Ennis percebe que pode realmente recomeçar a sua vida livre do fardo de amar demais a pessoa errada.

* Texto escrito em 2015