Crítica: Obra – Mostra de SP

38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #42

Obra 2

A janela de projeção se abre. Lentamente, a cordilheira de arranha-céus de São Paulo passa a revelar-se em meio à nuvem de fumaça que a envolve. O som é de britadeiras duelando contra a resistência dura do concreto. Quando o título de Obra aparece na tela, nós já sabemos que a metrópole está no cerne de suas discussões.

Refletindo, mais especificamente, a herança maldita sobre a qual as grandes cidades foram construídas – e, paralelamente, a culpa que carregamos pelos erros de nossos antepassados -, o longa-metragem de estreia do curtametragista Gregório Graziosi prefere discursar através de sua imagética, abdicando da exposição gratuita e, infelizmente, decepcionando os espectadores mal acostumados a apegar-se mais ao que ouvem do que ao que vêem na tela.

Escrito a seis mãos por Graziosi e os co-roteiristas Paolo Gregori e José Menezes, o roteiro gira em torno do arquiteto João Carlos (Santos), que um dia descobre uma vala cheia de ossadas soterradas sob uma igreja antiga que está encarregado de reconstruir. Atormentado pela visão daqueles restos mortais, o sujeito decide investigar quem foram aquelas pessoas, comprando briga com um de seus mestres de obras (Andrade), que parece guardar um profundo ressentimento de sua família e especialmente de seu avô. Enquanto isso, os problemas de coluna de João começam a se intensificar e sua esposa (Peploe) pode dar a luz a seu primeiro filho a qualquer momento.

Em meio a dezenas de planos aéreos da cidade de São Paulo com uma profundidade de campo absurda, Graziosi e o diretor de fotografia André S. Brandão enquadram seu protagonista sempre encurralado em corredores espremidos e oprimido por paredes imensas que, parecendo ameaçar esmagá-lo, retratam com perfeição o estado de paranoia no qual o sujeito se encontra. Não é à toa, aliás, que o arquiteto seja constantemente visto em enquadramentos milimetricamente simétricos (como aquele que o centraliza entre duas grades e exatamente ao centro de um automóvel estacionado ao fundo) que revelam a precisão de sua atividade profissional e, consequentemente, de sua maneira de ver e pensar o mundo que o cerca.

Quase expressionista em sua maneira de distorcer a cidade que lhe serve de locação – seja através dos posicionamentos de sua câmera, de lentes grandes-angulares ou mesmo do simples aproveitamento de seus cenários mais tortuosos – (e assim, mais uma vez, representar a confusão mental que submete seu protagonista) e em seus fortes contrastes de chiaroscuro (o plano em que João, em visita ao avô que definha em seu provável leito de morte, é visto mergulhado em sombras em frente a uma cortina branca e em contraluz não é só belíssimo, mas extremamente revelador acerca da natureza do personagem), Obra decepciona apenas em seu terceiro ato, quando Graziosi não consegue decidir direito os rumos que dará à narrativa.

Mas a verdade é que experimentar o espetáculo estético e sensorial promovido pelo cineasta durante a projeção mais do que compensa a experiência. No final das contas, Obra é mais sobre os tormentos que assolam seu protagonista que sobre os conflitos que estes o impedem de resolver; mais sobre semiologia da imagem que sobre construção de arcos dramáticos e diálogos.

Se F.W. Murnau, Fritz Lang e Robert Wiene estivessem vivos, este seria um filme que eles certamente gostariam de ver.

Obra Cartaz

Obra (Idem, Brasil, 2014). Dirigido por Gregório Graziosi. Escrito por Gregório Graziosi, Paolo Gregori e José Menezes. Com Irandhir Santos, Júlio Andrade, Sabrina Greve, Lola Peploe, Marisol Ribeiro e Christiana Ubach.