Tudo Pode dar Certo

(Whatever Works) De Woody Allen. Com Larry David, Evan Rachel Wood, Patricia Clarkson, Ed Begley Jr., Michael McKean, Henry Cavil
 
Todos os filmes de Woody Allen revestem seus personagens com uma indestrutível suscetibilidade aos revezes do destino e da sorte. Em cada filme é claro (com maior ou menor louvor) os personagens se relacionam com este quadro niilista de maneiras específicas. Aqui em Tudo Pode dar Certo, os dois caminhos normalmente adotados pelo diretor parecem se misturar: o pessimismo e o otimismo em relação a esta condição humana. E estes dois pontos de vista acompanham Boris (Larry David) quando aparece na sua vida a bela Melody (Evan Rachel Wood). Dono de uma visão fatalista do mundo, Boris é um gênio quase indicado ao prêmio Nobel, que parece a todo momento estar com o total controle sobre si mesmo e sobre o mundo a sua volta. Ele assume a postura de um observador em lugar privilegiado, algo típico de um gênio (chegando ao ponto de se dirigir ao espectador, quando nenhum outro personagem é capaz de fazê-lo) e por isto sabe que em contrapartida a todo tipo de crença do ser humano e em algo que redima de sua condição transitória e miserável neste mundo, está a opção em acreditar que estamos aqui abandonados a nossa própria sorte, num turbilhão de acasos e coincidências que movem a vida de cada um.
 
Mas é quando Melody lhe pede abrigo, por estar fugindo de sua família do interior, que Boris se vê obrigado a adaptar-se, a flexibilizar-se. Se o que se flexibiliza aqui não é seu modo de pensar (mesmo nos momentos em que se dirige carinhosamente à moça, não consegue deixar de enfatizar sua incapacidade intelectiva) pelo menos começa a pensar novas possibilidades, o que para um ex-suicida (sua tentativa em se matar resultou em apenas uma perna manca) não é de todo mal. Melody é capaz de admirá-lo, e mais que isso, aprender com ele (ou pelo menos mimetizá-lo, já que não consegue compreendê-lo completamente). Melody perde um pouco da sua inocência, deixa de ser a menina do interior e passa a perceber que tem um lugar no mundo, e que portanto, deve participar dele. Algo que não teria percebido sem a ajuda de Boris, e sua gratidão a ele é visível. Evan Rachel Wood surpreende e faz com que seu personagem seja ingênuo sem ser chato, conservando sempre seu sotaque interiorano, mesmo quando amadurece e se torna uma mulher.
 
É quando entram na história Marietta (Patrícia Clarkson, ótima) e John (Ed Begley Jr.), os pais de Melody que estavam a procura de sua filha e se vêem de repente numa Nova York que vai mudá-los para sempre. Ou, como o filme parece nos querer dizer, vai lhes despertar aquilo que estava adormecido. É como se, vindos de outra realidade, este lugar repleto de oportunidades fosse uma página em branco de suas vidas (não há como deixar de perceber esta reverência à sua cidade natal, à qual retorna depois de uma série de filmes na Europa).
 
É um filme pessimista na estrutura que coloca seus personagens, mas otimista quando percebe que há uma alternativa. A certeza de que tudo se engendra de maneira a fazê-los felizes e realizados. A sorte aqui é o que lhes determina a vida e lhes guia para um final se não feliz, pelo menos adequado, diferente por exemplo de Match Point ou Crimes e Pecados, onde a sorte é culpa e fardo.
 
Um filme delicioso, com aquelas já conhecidas frases geniais (Deus é gay por ter feito o mundo perfeito: coisas de decorador), que deixa uma sensação de conforto e tranqüilidade no final. O protagonista é quase odiável dada a sua personalidade quase misantropa, mas tem-se a sensação de que tudo pode dar certo.