Dúvida

(Doubt) De: John Patrick Shanley. Com: Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams, Viola Davis

Dúvida é um filme feito para seus atores. Para que desenvolvam seus personagens detalhadamente quase que como uma disputa pra ver quem é o mais verossímil. Sorte do diretor John Patrick Shanley (responsável também pela adaptação da peça teatral de sua autoria), por que cada componente do elenco está disposto a defender seu personagem da melhor forma possível. E conseguem. A história é simples: Padre é acusado de pedofilia, mas nada é comprovado realmente, embora ele seja perseguido por uma freira quase louca por isso. E a acusação nunca chega a ser fundamentada totalmente. Mas o que mais importa aqui são os personagens. Vamos a eles:
Meryl Streep é Irmã Aloysius: assustadora desde o primeiro momento em que aparece em cena é uma personagem dúbia (como todos aqui), pois não se sabe se ela quer apenas cumprir seu papel de disciplinadora, ou se age como um membro da inquisição, à procura por falhas nos outros que justifiquem uma punição. É uma pessoa totalmente amarga (sua tentativa de demonstrar algum humor é encarada com estranheza pelos outros, e ela não consegue esboçar um sorriso nem ouvindo um coral de inocentes criancinhas!) e seu olhar sempre demonstra desaprovação, o que pode ser um problema e tanto para uma jovem freira, como a Irmã James, vivida com extremo talento pela bela e promissora atriz Amy Adams: sua insegurança frente à Irmã Aloysius é real! Cada gesto e palavra são milimetricamente pensados no sentido de não desapontá-la, assim como o faz em relação ao Padre Flynn (como na cena em que quase pede misericórdia por não gostar de açúcar tanto quanto ele). Preocupada em não tomar partido ao mesmo tempo em que não quer prejudicar o padre, ela é quase obrigada a acreditar que ele é realmente culpado por algo que até então é apenas uma suposição.

É interessante perceber sua expressão de alívio quando a acusação parece ter caído por terra, já que assim não provocou um escândalo injustificado, o que demonstra o quanto esta atriz é talentosa (sem falar na cena em que se arrepende de ter repreendido um dos alunos aos moldes da Irmã Aloysius). Sua inocência acaba se tornando um mal, pois ela está entre duas autoridades que não consegue questionar totalmente (uma de suas tentativas de fazê-lo se frustra rapidamente, como se por um momento se desse conta de quem realmente é). O Padre em questão, vivido por Philip Seymour Hoffman, é a chave para que o mistério se mantenha, e a atuação do cara faz dois dos diálogos do filme serem espetaculares. Num primeiro momento, quando questionado pelas irmãs sobre o motivo da visita do garoto a sua sala, pensamos que ele está mesmo mentindo, sendo que logo depois entendemos perfeitamente porque ele evitava relatar o acontecido. Mas na segunda conversa com a personagem de Streep (a cena de Aloysius segurando o crucifixo é de arrepiar!), seu desespero soa exagerado, se considerarmos que ele está do lado da verdade, e que sua interrogadora está imaginando as coisas. Por outro lado, mesmo a pessoa mais verdadeira do mundo sucumbiria às torturas psicológicas da Irmã Aloysius, o que não comprova definitivamente sua culpa.

Finalmente temos uma rápida, mas importante participação de Viola Davis como a mãe do garoto. Pragmática ao extremo, ela compreende que se houver mesmo um caso de abuso, talvez isso seja irrelevante se considerarmos o futuro acadêmico que ela visa para seu filho. As cenas são rápidas, mas fortes: quem seria melhor para o garoto? Um padre que manifesta um carinho (nunca exagerado, pelo menos é o que vemos) por ele ou um pai que o espanca?

O roteiro e as falas são perfeitos (a falta de trilha sonora durante os diálogos como nos disse 2t os tornam ainda mais tensos!) e o filme tem aqueles momentos de embate entre atores que é muito bom de ver. Pra mim é um dos melhores filmes do ano e merecia mais indicações (o prêmio de Roteiro Adaptado é merecido pelo menos). Um ótimo filme!