Milk – A Voz da Igualdade

(Milk) De Gus Van Saint. Com Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin, Diego Luna, James Franco, Alisson Pill.

Harvey Milk insistia em dizer que sua luta pelo movimento gay “não era sobre jogos pessoais, ego ou poder. É sobre liberdade acima de tudo. E esperança”. Fica mais fácil entender suas motivações após assistir a Milk, de Gus Van Saint, cinebiografia que cobre os últimos oito anos de vida do vendedor de seguros que se torna um influente congressista, o primeiro assumido abertamente gay, baleado em 1978.

Milk partia do pressuposto de que todo ser humano tem direitos inalienáveis, que só podem ser desfrutados quando a pessoa é reconhecida enquanto tal. Não assumir sua real condição, é abrir mão desses direitos, é legitimar o discurso daquele que segrega, embora use um tom calmo e sereno na voz. Mas para que as pessoas se sintam acolhidas a ponto de não haver motivos que as levem a se envergonhar de si mesmas, há que se mudar algo: senão a mentalidade das pessoas, que sejam as leis que garantem sua proteção. É aí que Milk pretende agir.

É emocionante a cena de um garoto que telefona para Milk (interpretação perfeita de Penn), e que não vê outra solução, a não ser dar cabo da sua própria vida, já que seus pais preferem interná-lo ao invés de aceitá-lo. É uma cena forte pela sua realidade, que se era possível em 1970 ainda persiste até hoje. Se uma criança ou jovem vê seus pais recriminarem comportamentos, e tachá-los de errados a todo o momento, o que elas farão caso percebam que estes comportamentos são aqueles com os quais se identificam? Por mais que se possa imaginar, só quem passou por isso tem a real idéia do quão absurdo é, e a parceria Gus + Penn facilita nessa percepção.

A começar pela atuação de Penn: quem está acostumado a vê-lo como homem amargurado (Sobre Meninos e Lobos, 21 gramas, e O Assassinato de um Presidente são filmes basicamente calcados nesse tipo de atuação de Penn), vai se surpreender com essa faceta mais sensível e nem por isso menos forte do ator. Desde a cena em que ele encontra Scottie (James Franco) no metrô, e o “recruta” para ser seu namorado, percebe-se que por mais que sua fala seja de alguém totalmente centrado em seu ativismo, ainda há um sorriso alegre e receptivo, cativante. O cara sabia saber política, sem se levar muito a sério, o que torna o personagem e a sua interpretação mais interessantes.

Já Gus Van Saint, responsável pro projetos menos oscarizáveis nos últimos tempos, mas nem por isso de qualidade inferior (Elephant, Last Days, e Paranoid Park), retorna nesse filmão que reúne grande elenco e provavelmente grande orçamento e não decepciona. Nunca é um tom melodramático aquele que vemos: se sabemos do destino do personagem principal, nosso foco é direcionado para a sua luta pacífica, e o tom leve (acentuado pela trilha de Danny Elfman, colaborador recorrente de Tim Burton) utilizado para contar a história é o ideal, bem diferente daquele que certamente seria adotado caso um Oliver Stone da vida tivesse assumido um projeto desses.

Inserindo cenas reais da época, Gus Van Saint acerta no tom do realismo como se dissesse: “Pessoas! Isso existiu naquela época, mas não acabou ainda! Não vamos deixar o legado de Milk morrer!”. É grotesco perceber como algumas pessoas se colocam em um lugar do qual possam julgar outras por serem diferentes. E permitir que isso continuasse, para Harvey, é fazer com que mais uma geração inteira crescesse sob o jugo de uma moral repressora, tornando adultos incapazes de se afirmar e de ser feliz da forma como escolheu. Não é uma mera panfletagem sobre os direitos homossexuais, mas sim sobre os direitos humanos.

É por isso que Gus Van Saint é bem sucedido: por fazer um filme emocionante, leve, tenso (a cena do assassinato) e cuja mensagem é passada sem apelações.Não vai acabar com o preconceito no mundo, mas tem lugar entre os grandes filmes que tomaram partido a favor do respeito irrestrito ao outro e a suas escolhas. Só tenho que dizer que prefiro a faceta “indie” de Gus!!