Não Morra Antes de Assistir: Morte em Veneza


(Morte a Venezia). De Luchino Visconti. Com Dirk Bogarde, Mark Burns, Marisa Berenson, Carole André, Björn Andrésen.

Pensando que a arte algum dia buscou a beleza em seu estágio mais puro, mais perfeito, mais divino, o compositor Gustave Aschenbach (Dirk Bogarde), protagonista de Morte em Veneza, está perdido nesta busca. Pragmático, perfeccionista e auto-exigente, ele parte para Veneza a fim de um refúgio, um lugar onde haja paz, para além de sua busca incessante, sua obsessão que o consumiria até a morte. Seu médico lhe recomenda descanso. Mas a paz desejada não aparece, já que conhece Tadzio (Björn Andrésen), um jovem garoto que lhe desperta desejos não muito compreendidos (ou simplesmente não racionalizados), mas reais, tanto que suas motivações se movem a todo momento no sentido de contemplar sua beleza inocente, tão pura quanto àquela que ele procurava em suas composições.

Inabalável no que diz respeito às suas convicções, e sua suposta metodologia para alcançar o inalcançável, aquilo que só os obsessivos teimam em tocar, Aschenbach não está pronto para contemplar a beleza transformada em verbo, em carne, em vida. Ela aparece sem pedir licença, toma lugar na vida do compositor de uma forma nunca imaginada, pensada, ou sequer sonhada em seus devaneios criativos: amor ou simplesmente encantamento com o objeto personificado, Aschenbach está totalmente desprotegido, longe de casa, num lugar e num ambiente quase oníricos, e impotente quanto aos seus impulsos e sentimentos.

Luchino Visconti (responsável pelo também fantástico O Leopardo) filma o livro de Thomas Mann e entrega um filme sensível, lento como a história mesmo exige, mas belíssimo por tratar com elegância e sensibilidade o tema da paixão, do platonistmo em uma representação muito próxima daquela concebida pelo filósofo, do arrebatamento frente ao belo, sensação que todo artista pretende sentir, mas que só é dada àqueles que se entregam à irracionalidade e à embriaguez dos sentidos (como nos mostra o filme no momento em que Aschenbach chega à Veneza, e se depara com um senhor que se mistura aos jovens, bêbado e irracional: aquilo lhe desperta repúdio).

Mas é quando ele se vê ocupando o lugar daquele que condena, se comportando irracionalmente, de forma completamente desmedida (passa a se maquiar para se passar por jovem) é que sua busca esbarra em suas antigas convicções, e não resta nada senão a morte. Tadzio, numa bela cena, aponta para o sol, para o infinito, para aquilo que agora talvez, Aschenbach consiga alcançar. A viagem cujo guia “é o único gondoleiro que não tem concessão” – a morte – neste caso se torna libertadora do peso que é buscar o inalcançável.

É um filme fanstástico, com uma atuação perturbadora de Dirk Bogarde como Gustave Aschenbach, que consegue traduzir em gestos (e nas poucas palavras do filme) a sensação de desconforto, de claustrofobia, de apatia, mesmo que num hotel de luxo super movimentado. Faz-nos sentir a solidão daquele que não suporta nada menos que a perfeição. Triste e belo. Recomendo.