Precisamos Falar Sobre o Kevin (em cartas)

Além deste texto inusitado, leiam também nosso post sobre o filme na época do Festival do Rio! Enjoy!

Belo Horizonte, 10/02/2012

Nathália,

Seguindo a sua recomendação de assistir aos filmes do Globo de Ouro (e potencialmente do Oscar), resolvi dar uma chance (antes da hora) para a adaptação de Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lynne Ramsay. Coincidência saber que você assistiu ao filme comigo, só não acho novidade você discordar de minhas opiniões e iniciarmos uma discussão sobre a intensidade e semelhança das performances de Tilda Swinton com Kirsten Dunst em Melancolia. Essa discussão poderia se estender mais que o necessário, então irei focar numa análise do filme apenas. Ou pelo menos tentarei.

O começo do filme é um tanto confuso. Dane-se a quantidade de filmes que usam e abusam da falta de linearidade. A verdade é que me senti exatamente como se tivesse tomado algumas doses de caipirinha. E você sabe como é que eu fico depois da segunda dose… O começo do filme ficou um tanto perdido, nada impossível de entender, óbvio, mas parecia que Ramsay estava tão confusa quanto eu fiquei. A sorte é que Swinton está inspiradissima em sua atuação. John C. Reilly faz mais uma de suas atuações características, como um coadjuvante de luxo, mas mesmo com todo seu talento, acaba sendo pouco aproveitado. Claro que o foco está todo na relação de Eva (Swinton) e seu filho Kevin (Ezra Miller), mas Reilly sempre atuou ao lado de atores geniais e garantia o seu espaço. Isso não aconteceu dessa vez. Concorda?

Sobre a trama em si, depois de todo o caos exibido no começo, é interessante lidar com um filme que abraça sua subjetividade e detona aquela necessidade dos filmes em mastigar tudo para o público. Precisamos Falar Sobre o Kevin deixa a interpretação na mão de cada pessoa que resolve gastar o seu tempo e atenção com o drama de uma complicada relação entre mãe e filho. Nenhum motivo é realmente esclarecido e restam apenas as suposições. Talvez você possa oferecer alguma visão diferente para que eu possa ver o filme de outra maneira, mas no momento, acho que toda a intensidade que o Wendel Wonka mencionou no seu texto fica concentrada apenas na atuação de Swinton, que de fato é incrível. Longe de ser a melhor do ano, mas é a melhor de sua carreira.

Como fã do Radiohead, seria um pecado deixar de mencionar a trilha sonora de Jonny Greenwood. Você notou a sensibilidade mórbida das faixas? Até estranhei imaginar que tudo aquilo saiu da cabeça (e mãos) do cara que toca “Creep”. Como é bom evoluir profissionalmente, não?

Espero que tenha tempo e oportunidade de me responder.

Petrópolis, 13/02/2012

Querido Tullio,

Primeiramente, gostaria de reafirmar o prazer que é poder compartilhar momentos cinematográficos inesquecíveis com você – tanto quanto aquela noite em que assistimos ao clássico Curtindo a Vida Adoidado -, mesmo você aí em Minas, e eu aqui, no Rio de Janeiro. E gosto de ver filmes “com você” porque o debate é sempre enriquecedor e, bem, acalorado. Convenhamos, nossas discordâncias são bem divertidas.

No entanto, gostaria de lembrá-lo que foi você quem sugeriu que assistíssemos Precisamos Falar Sobre o Kevin, já que eu queria tanto me dedicar aos indicados aos Globos. Fiquei feliz, não nego. Não havia lido a sinopse (como geralmente não leio), mas esse tinha muito a cara que iria me agradar.

De fato, não me decepcionou. Isso se deve, principalmente, à performance da Tilda Swinton, concordo. Achei muito poderosa em toda a sua sutileza – ouso dizer, a melhor performance feminina de 2011 até o momento, na humilde opinião de quem viu tão pouco ano passado. A personagem tem momentos emocionais muito distintos, e grande parte disso pode ser visto em seu rosto. Gostei, inclusive, da forma como o sofrimento da mãe que ela interpreta tão bem não é usado para conquistar o público pela pena. A depressão de Eva vira motim para prender o espectador e descobrir o que diabos o Kevin aprontou.

Me parece que Ramsay tentou abordar o romance da Lionel Shriver de forma a não entregar, de cara, no que deu aquele conturbado relacionamento mãe-filho (não saberia dizer se isso acontece no livro, pois não o li). De outra forma, a história poderia ficar um tanto quanto arrastada. A falta de linearidade não chega a ser confusa, pois é possível se situar no tempo, seja pela idade do personagem do título, seja até pelos cortes de cabelo de Swinton.

No entanto, devo concordar. Vemos um John C. Reilly mal aproveitado, já que sua performance não traz nada de especial. Esse é um ator de personalidade e que foi relegado a um mero coadjuvante. Parte disso se deve ao fato de a história tratar, quase que exclusivamente, de Eva e Kevin, mas John pouco se fez notar nas cenas em que apareceu. Uma pena.

Como você bem lembrou, este não é um filme que entrega uma trama mastigada e de fácil digestão. Muito é dito com olhares ou nas entrelinhas. A subjetividade a que você se refere se deve ao fato de que as coisas e as pessoas são como são – e para isso não há explicação. No fim das contas, temos um bom drama familiar que não cai nos mesmos formatos que esse tipo de história costuma trazer. Isso, por si só, já faz valer a pena na era dos filmes ‘já vi isso antes’.

Obrigada por compartilhar seu ponto de vista comigo – sempre tão diferente do meu!

Beijos,

Nath