Deixe-Me Entrar

Surpreendente. Essa talvez seja a melhor palavra para descrever o remake norte-americano de Deixe Ela Entrar a super elogiada produção sueca. Quando se pensa em um remake, a primeira impressão é a de que será um produto inferior. Hollywood já estragou diversos filmes, entre eles o espanhol REC (que rendeu o terrível Quarentena). Felizmente os produtores acertaram a mão e apesar de suavizarem o roteiro original, conseguiram mostrar eficiência em suas escolhas para Deixe-me Entrar.

Com o roteiro e a direção nas mãos de Matt Reeves (Cloverfield), as poucas ressalvas do remake não chegam a comprometer o andamento da história e o debate profundo sobre o que se passa dentro da mente solitária e melancólica de um adolescente. Claro que por ser um filme norte-americano, existem uma série de valores morais que precisam ser respeitados, além da utilização de uma linguagem descritiva demais para facilitar a compreensão do público. Ao subestimar a inteligência do público, Reeves acaba deixando escancarada a questão da pedofilia (que havia passado despercebida no original), mas preserva a ingenuidade e inocência de Owen (o loirinho Oskar no original), bem como os conflitos internos de Abby (a moreninha Eli no original). Outras alterações acabam não importando tanto, como a pequena censura na cena em que Abby entra pela janela do quarto de Owen. A abordagem do bullyng na escola também se torna mais agressiva, em outro reflexo da diferença entre as culturas da Suécia e Estados Unidos.

Já a mística em torno dos vampiros é apenas um pano de fundo para o desenrolar do roteiro. Não existe a mínima preocupação em explicar origens ou perder tempo investigando o passado de Abby. E essa é justamente a graça de Deixe-me Entrar e o que o torna tão especial em comparação com outros filmes do estilo. O importante aqui é o desenvolvimento do psicológico dos personagens. Owen tem que lidar com o divórcio dos pais (seu pai é ausente e a mãe, com quem vive, é uma alcoolatra), com as surras na escola e a ausência de amigos. Seu programa favorito é ficar no pátio do prédio, chupando balas e esfaqueando árvores para tentar descarregar suas tensões. Abby surge de repente na vida de Owen e logo de cara já diz: “Nós não podemos ser amigos”. Dá para quase sentir o sofrimento de Owen ao ser rejeitado mais uma vez, enquanto grita de volta: “Eu não queria ser seu amigo mesmo”.

Deixe-me Entrar constrói uma relação de amizade, onde os dois personagens sentem uma empatia quase que imediata um pelo outro. Owen consegue ter uma fonte de alívio com as conversas e passeios com sua misteriosa amiga e logo passa, no auge de sua inocência, querer namorar com Abby. Ambos personagens ganham força com as interpretações brilhantes de Kodi Smit-McPhee (Owen) e Chloe Moretz (Abby). Aliás vale dizer que a menina talentosa do Kick-Ass não faz nada de excepcional em sua participação, o que a deixa em desvantagem se comparada com a atuação de Kirsten Dunst em Entrevista com o Vampiro. Moretz ainda é muito menina e não consegue mostrar com o olhar que é bem mais que uma menina de 12 anos. A pouca malícia existente na personagem passa batida (como na cena em que Owen a leva para o seu esconderijo; ou na já mencionada cena em que ela entra dentro do quarto dele no meio da noite) ao contrário da Cláudia de Dunst na adaptação do romance de Anne Rice.

Ao fugir do frio da Suécia, Deixe-me Entrar ganhou uma boa dose de calor para humanizar os seus personagens de uma forma que os aproximou da realidade com que estamos acostumados. Não se pode ignorar que essa preferência seja um sintoma do vício das linguagens cinematográficas norte-americanas, que sempre insistem em falar quando não é necessário usar palavras (isso vale como dica para a vida pessoal também). Apesar de ser um hábito egoísta e completamente desnecessário, essa constante importação de produções de outros países mostra que ainda existem chances de sermos recompensados com novas visões que não destroem a concepção original. Reeves respeitou as características do filme original e mesmo que o seu filme seja desprovido do apuro artístico do diretor sueco, pelo menos não deixou a desejar em nada. São dois belos filmes que merecem ser vistos por todos, independente de gostarem de vampiros ou não. Deixe-me Entrar é uma verdadeira aula do que é ser um adolescente.

ps: filme para ser visto acompanhado de alguém especial.