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Crítica: mãe!

O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de mãe! possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.

CARACA, MOLEQUE!

Acho que aquela frase “não sei o que dizer, só sentir” nunca fez tanto sentido nos últimos tempos. Trabalho mais recente do meu querido Darren Aronofsky, o 1º após Noé, mãe! (Mother!, 2017) encontra ecos em Cisne Negro e Réquiem Para Um Sonho. Ao buscar um retorno às “origens”, o cineasta acerta a mão e produz aquele que talvez seja seu momento mais eficiente atrás das câmeras.

Além de buscar em seu próprio passado os caminhos para tornar mãe! desde já um dos melhores filmes de 2017, Aronofsky evoca Roman Polanski em Repulsa ao Sexo e (mais óbvio) O Bebê de Rosemary. A paranoia da personagem vivida por Jennifer Lawrence e a impressão equivocada que estamos diante um ritual do capiroto nos remete a esses clássicos absolutos filmados na década de 1960.

Quando você pega uma obra e faz uma análise dela, existem várias interpretações abaixo da superfície, que nesse caso, é mais relacionada diretamente com o casamento. Lawrence é a recriação da ideia de “esposa perfeita”, com toda a sua dedicação e admiração. Mas uso aspas justamente para apontar que o relacionamento não é muito sadio. É uma via de mão única, onde ela é submissa o tempo inteiro e reclama até do apetite sexual do parceiro, sempre ocupado com outras coisas/pessoas.

O que Aronofsky propõe aqui é um banquete para escritores, poetas e artistas que trabalham com criação. Todo esse processo é bem complicado, muitas vezes doloroso. Existem perfis de autores que são verdadeiros babacas. Quem nunca ouviu a máxima que escritores não possuem amigos, mas material para seus próximos livros? Tudo que o roteiro apresenta é uma grande metáfora para a criatividade com direito até a citações bíblicas (Ed Harris, Michelle Pfeiffer – brilhante – recebem os filhos no paraíso que é o lar do casal e se envolvem numa discussão que acaba com um irmão matando o outro; pensa no jardim do Eden, Adão, Eva, Caim e Abel).

Mesmo que J Law receba tanta atenção da câmera (o enquadramento é sempre próximo, quase batendo no nariz dela), o elemento principal é Ele (Javier Bardem). Aliás, repararam que nenhum personagem possui nome, né? Tudo parte da jornada que se passa na mente do poeta, em que ele tem consciência de si (do que importa) e usa tudo/todos ao seu redor para conseguir seu grande objetivo, ou seja, escrever seu poema. Não por acaso, isso acontece após finalmente comer a esposa, que fica grávida. A gravidez está intrinsecamente conectada à finalização da sua grande obra, e a mãe é a responsável pela inspiração.

Durante o ato 3, quando mãe! se torna um filme ainda mais tenso e surreal com as sequências piradas de guerra, o bebê nasce e Ele trata de exibir seu filho/criação para as milhares de pessoas que invadiram a sua casa. O prenúncio da tragédia, né? Era de se esperar que o recém-nascido tivesse um destino cruel. Som do seu pescocinho quebrando está atormentando os meus ouvidos até hoje, assim como a cena em que Law é espancada pela multidão (alguém também lembrou de Irreversível?). O desfecho desses eventos representa o momento em que o autor perde a sua grande ideia e precisa recomeçar novamente.

Ele busca apenas a sensação de ser idolatrado, independente dos mecanismos necessários para alcançar seu objetivo. Por isso que abriu a porta da sua casa para tantos desconhecidos, que logo ficam descontrolados e passam a quebrar a casa inteira, como forma de levar um pedaço do Poeta (aqui, numa alusão a figura de Jesus Cristo) para suas casas. Isso emputece a coitada da mãe, que sente que nada que ela faça é o suficiente. Chega ao ponto de dizer: “você ama mais saber que eu te amo”, o que mostra bem o tipo de relacionamento que ela vivia e o quanto escritores são pessoas sem coração.

A partir dessa interpretação, acredito que mãe! se aproxime mais (de ser uma versão terror) de Ruby Sparks, de Jonathan Dayton e Valerie Faris, do que das obras de Polanski ou O Anjo Exterminador, de Buñuel. Nessa comédia romântica de 2012, Paul Dano é um escritor com a capacidade esquisita de criar a namorada perfeita como uma personagem de um romance que está escrevendo. O seu personagem é cruel e frio em alguns momentos, mas demonstra uma humanidade que não está presente em Javier Bardem, por exemplo.

Recomendo mãe! para qualquer pessoa interessada em assistir a um filme capaz de entrar na sua cabeça e te fazer cagar tijolos. Esse é um daqueles casos em que ficamos horas e dias pensando no que assistimos, enquanto a obra vai crescendo mais e mais, criando uma vontade incontrolável de ir ao cinema novamente. Infelizmente, verdade seja dita, não é um trabalho fácil para qualquer pessoa, especialmente quem vai ao cinema dar uns beijos ou mexer no celular.

mãe! Não é entretenimento vazio e me faz lembrar das reações com A Bruxa no ano passado… Se você detestou o melhor filme de terror de 2016, fuja do trabalho mais recente do Aronofsky e vá ser feliz com alguma coisa que demande menos do seu cérebro.