Crítica: Aconteceu em Woodstock (2009)

Aconteceu em Woodstock

O CINEASTA ANG LEE TRABALHOU COM DIVERSOS TEMAS AO LONGO DE SUA CARREIRA, mas é de se surpreender a sua sensibilidade musical ao retratar os bastidores do grande festival Woodstock. Em momento algum existe a preocupação em mostrar as bandas e os shows. O foco é inteiramente no esforço daquelas pessoas em tornar o sonho realidade, especialmente no protagonista Elliot (Demetri Martin), que é um jovem que deixa de lado a sua vida para ajudar os pais a manter um motel quase falido numa pequena cidade dos EUA. Esses detalhes tornam Aconteceu em Woodstock não apenas um dos melhores filmes do diretor, como uma das grandes obras sobre o que é amar a música.

A história apresenta Elliot percebendo uma grande oportunidade de ajudar um grupo de produtores a organizar um grande evento musical na área do seu motel. O que parecia a grande chance de salvar o negócio dos pais se torna numa experiência única em que Elliot deixa de apenas sobreviver para viver de verdade. A música é apenas um detalhe. O que importa é acompanhar a evolução do personagem.

Imeuda Stauton interpreta a mãe nervosa de Elliot e dá um verdadeiro show. Quando não está extorquindo os frequeses do motel ou dando vassouradas no grupo de hippies que gosta de ficar sem roupa, ela está reclamando de alguma coisa. Em momento algum percebemos a personagem abaixando a guarda e tentando ser mais amigável. Quem sofre mais com isso é o pai de Elliot, que passa anos suportando o gênio forte da esposa. Interpretado por Henry Goodman, o sr. Jake tem um dos arcos mais interessantes do longa-metragem. Além de protagonizar as cenas mais engraçadas, Jake reencontra o prazer em viver apenas por fazer parte daquele grande evento organizado por gente tão jovem.

Aconteceu em Woodstock foi filmado em 2009, cerca de quatro anos depois de Lee vencer o Oscar de Melhor Direção por O Segredo de Brokeback Mountain. A sensibilidade única do cineasta é um grande diferencial, afinal ele consegue nos fazer praticamente gargalhar em muitas das cenas do filme e ao mesmo tempo nos emocionar com os conflitos do protagonista e sua constante sensação de estar num lugar pequeno demais para as suas ambições. O trabalho do ator Demetri Martin consegue captar a essência exata desses conflitos e colocar em cena para os espectadores observarem e torcerem para que ele consiga se encontrar. Você percebe isso nos pequenos detalhes, como a preocupação de Elliot com a reação do pai depois que beija um homem.

Ang Lee havia experimentado trabalhar com uma linguagem diferenciada em Hulk e usou uma abordagem próxima ao universo das HQ’s em muitos momentos. Desta vez, o cineasta brinca com uso de efeitos de câmeras amadoras dos anos setenta para tentar recriar todo o clima da época em um tom mais documental. Outro recurso utilizado pelo diretor é a tela dividida em momentos que muitas coisas estão acontecendo e a narrativa trata de considerar um máximo de coisas imprescindíveis para a compreensão completa do espectador. Incluindo aqui a confusão e preocupação do nosso protagonista com aquela quantidade de pessoas no seu motel.

Uma das minhas cenas favoritas de Aconteceu em Woodstock envolve a participação mais que especial de Paul Dano. Depois do papo cabeça mais descolado da filmografia de Ang Lee, temos uma breve passagem com os efeitos do uso de ácido. Naquela época, o LSD era de qualidade bem superior às porcarias que existem nas ruas de hoje em dia. Elliot fica em outro universo e ao invés de brincar com a situação, a direção opta por entrar na “viagem” e usa cores mais quentes e iluminadas para nos tornar passageiros dessa aventura psicodélica. Só que essa cena é marcante por deixar claro que mesmo diante um puta evento musical diante de seus olhos, o bom mesmo é ter pessoas com quem você pode dividir esse momento. A tal da frase de Na Natureza Selvagem: “A felicidade só é real quando compartilhada”. Ali, ao lado de um casal hippie desconhecido, Elliot teve o seu grande momento de diversão e sequer viu quem estava no palco.

Outra cena forte do longa-metragem é quando os pais de Elliot comem os brownies “batizados” e dançam felizes na chuva. Apesar de ser uma cena realmente engraçada, (porra! São os pais do cara totalmente chapados) o que pega realmente é mostrar, pela primeira vez, um momento de felicidade entre a família. Não existe cobrança, briga ou preocupação: estão os três simplesmente se divertindo e demonstrando amor um com o outro. A conclusão dessa sequência, com Elliot cobrindo os pais no quarto é ainda mais linda. É como se apresentasse essa transformação do rapaz se tornando um homem e cuidando daqueles que cuidaram dele a vida inteira.

Se você gostou de Quase Famosos, de Cameron Crowe, certamente não terá muita dificuldade em se apaixonar perdidamente pela história que Ang Lee conta em Aconteceu em Woodstock. Uma espécie de homenagem para a música e a cultura de curtir shows, sem a necessidade de mostrar quem são os artistas. O diretor faz questão de deixar explícito que quem importa de verdade são as pessoas que suaram para tornar o evento realidade e como certos momentos de nossas vidas nos mudam para sempre. Filmaço!