Crítica: Mogli – O Menino Lobo (2016)

A DISNEY VEM ENCHENDO OS BOLSOS COM REFILMAGENS EM CARNE-E-OSSO de suas animações mais famosas há alguns anos, e não dá sinais de que vai parar. Só nesta década já tivemos Alice no País das Maravilhas, Malévola, Cinderela, e ainda vêm por aí A Bela e a Fera, Cruella, Peter Pan, Pinóquio, Meu Amigo, o Dragão e, acredite se quiser, Ursinho Pooh e Dumbo. Sem falar nos outros trocentos “contos de fadas dark” lançados por estúdios diversos: quantos filmes da Branca de Neve ainda teremos paciência para ver?

É um alento, portanto, ver que este Mogli: O Menino Lobo consegue se sobressair entre os demais nessa selva de remakes. Dirigido por Jon Favreau (de Homem de Ferro 1 e 2), o filme segue de perto a trama da clássica animação da Disney de 1967: um pirralho criado por lobos conta com a ajuda de amigos mamíferos para fugir da ameaça de um tigre vil. Favreau e o roteirista Justin Marks mantêm a história simples, sem subtramas desnecessárias ou personagens novos que pouco acrescentariam (tá anotando, Peter Jackson?). É o Mogli que todos conhecemos, um moleque de tanga vermelha falando com bichos, mas com dois diferenciais fundamentais: um visual impecável e um elenco de vozes de botar respeito.

Olha a escalação: temos Ben Kingsley como a pantera Baguera, paternal e sensato mentor do protagonista; Scarlett Johansson como a hipnótica e ardilosa cobra Kaa; Lupita Nyong’o e Giancarlo Esposito (o Gus Fringe de Breaking Bad) como os lobos afáveis que criaram o garoto; Christopher Walken como o desajustado orangotango Rei Louie; Idris Elba como Shere Kahn, tornando o tigre ainda mais ameaçador e imponente, e possivelmente um dos melhores vilões do ano; e Bill Murray como o urso vigarista Balu, reponsável pelos momentos mais engraçados do longa (“Eu não hiberno completamente, mas cochilo bastante”). Num elenco excelente, Elba e Murray, particularmente, estão sensacionais.

Mogli o Menino Lobo - Shere Kahn - Idris Elba

As vozes não adiantariam tanto se os efeitos visuais decepcionassem. E muito pelo contrário (“muito pelo”, sacou?): os animais digitais de Mogli são impressionantes, extremamente realistas ao mesmo tempo que pertencem indiscutivelmente ao mundo da fantasia – afinal de contas, a maioria fala inglês e não há nenhuma explicação pseudo-científica do tipo “bichos geneticamente alterados” por trás. O estreante Neel Sethi, satisfatório no papel-título, é praticamente o único ser de carbono no filme inteiro, cercado por bits e bytes que vão das cicatrizes de Shere Kahn às frutas no covil do Rei Louie, e tudo convence. Enquanto Alejandro González Iñárritu se gabou de ter passado o pão que o diabo amassou para filmar O Regresso em meio à natureza selvagem, Jon Favreau encerra os créditos finais de Mogli com a frase: “Filmado no centro de Los Angeles”, como se dissesse: “Olha eu aqui criando um universo totalmente verossímil sem precisar me estrepar todo no mundo real”.

Se há uma crítica a ser feita, é que o longa nunca se aventura muito além do território seguro. É aquele típico “para toda a família”: adultos vão gostar da releitura realista e cheia de ação de um clássico da sua infância, e as crianças vão curtir os animais falantes e o clima de fantasia. O cartunesco Zootopia, pra ficar em outro filme recente do mesmo estúdio, também conseguiu divertir um público de todas as idades e ainda trabalhar questões como preconceito e discriminação. Fica a curiosidade em ver se Andy Serkis, que dirige uma nova adaptação de Mogli a ser lançada em 2018 (esses filmes são que nem barata, sempre vêm em dois), elevará o menino-lobo a novos patamares.

Necessário / Somente o necessário / O extraordinário é demais”, cantava Balu na animação de 1967. Este novo Mogli pode passear entre “somente o necessário” e o “extraordinário”, mas felizmente é nesse último que fica a maior parte do tempo, imergindo-nos em um mundo fantasticamente crível. E sim, temos Bill Murray cantando “Somente o Necessário” no filme. Só isso provavelmente já valeria o ingresso.