Crítica: Vicky Cristina Barcelona

Vicky Cristina Barcelona Review
EM VICKY CRISTINA BARCELONA TEMOS TRÊS MULHERES CONECTADAS A UM MESMO HOMEM. No entanto, o “sortudo” interpretado por Javier Bardem apenas acredita ter o controle total do jogo e ser o cara que dita as regras, enquanto o espectador sabe muito bem o que está acontecendo de verdade nesse que é um dos melhores e mais sensuais longas escrito e dirigido por Woody Allen.

Scarlett Johansson é Cristina. Ingênua e com um forte desejo de modificar o mundo, a personagem se envolve com Juan (Bardem) e sua ex-esposa (Penélope Cruz). Ao experimentar um relacionamento a três, a impressão é que Cristina finalmente descobriria o que procura e o seu lugar no mundo, mas o que Woody Allen propõe é uma personagem vazia e que encerra seu ciclo justamente da mesma maneira que começou: sem ter a menor ideia do que está fazendo ou buscando.

Desde o começo da história percebemos o quanto essas duas protagonistas são bem escritas. Ao serem abordadas por Juan pela primeira vez num jantar, Vicky o trata mal, como uma pessoa inconveniente. Já Cristina, por mais de uma vez, dá uma olhada na mala do latino. E não tenta nem disfarçar. Enquanto uma reluta com a presença masculina de alguém que ela não consegue controlar, a outra sente as cataratas do Niágara em sua calcinha. Ponto para Juan, que possui maturidade e experiência o suficiente para decifrar as mulheres e ter a calma necessária até realizar o seu desejo de dormir com as duas.

Rebecca Hall é Vicky. Noiva de um almofadinhas sem graça e com cara de quem só sabe fazer papai-mamãe na cama, Vicky é a primeira a se sentir afetada pela presença do galanteador latino. Justamente por sentir algo ilógico para alguém acostumada a dominar todas as suas emoções, Juan é tratado como uma ameaça. Ele abala a paz no reino soberano da consciência de Vicky, e ela sabe que não conseguiria lidar com essa sensação inédita. Vicky é como uma mulher que namora por dez anos com o seu namoradinho da escola até que num dia, descobre que alguém excitante a notou. E isso a faz questionar tudo. “Por que ele olhou para mim daquele jeito? O que é isso que estou sentindo?”, e até que a curiosidade fala mais alto e ela decide jogar tudo pro alto apenas para tornar lógico o que não se tem como explicar. Paixões arrebatadoras simplesmente acontecem. Não precisamos nos arrepender disso. No caso de Vicky é uma situação delicada, mas quem poderia culpá-la por algo que simplesmente não poderia ser evitado sem que ela remoesse isso para sempre?

Numa noite, após Cristina passar mal, Vicky tem uma noite romântica com Juan, que não mediu esforços em deixá-la bêbada (e dar uma provocante alfinetada “Você está bêbada? Pensava que tivesse dito que era resistente”, seguida de um sorriso de canto do lábio). Imagine você, noiva de um homem, mas jantando na Espanha com um homem sedutor, assistindo a um show de guitarra espanhola, saboreando um vinho de primeira qualidade. Numa situação dessas, para algumas pessoas, é impossível conter o impulso de liberar nossa energia sexual. Vicky provavelmente teve a melhor transa de sua vida naquela noite, mas a falta de interesse de Juan em tentar conversar sobre o assunto a incomodou. Ficou ainda mais incomodada depois que ele ligou procurando Cristina. Vicky estava apaixonada. Teve que observar em silêncio enquanto a sua amiga se mudava para a casa de Juan e os dois se tornaram um casal. Só que nunca conseguiu esquecer aquela noite que passaram juntos.

Vicky Cristina barcelona destaque

Penélope Cruz é Maria Elena. A mulher mais forte e furiosa da narrativa. A combinação explosiva da calma e jeito metódico de Vicky (aposto que essa mulher é de virgem, sabe…) com a impulsividade sensual de Cristina. Maria Elena é a ex-esposa de Juan, e ele não escondeu de ninguém que ainda a amava. Aliás, a sinceridade de Juan é uma coisa de outro universo. Ele está sempre tranquilo, raramente se altera e consegue dizer para duas desconhecidas que pretende transar com elas com a mesma calma de quem está pedindo um vinho. Juan também é um mestre na arte de “dispensar” alguém. E talvez essa seja uma das lições mais valiosas de Vicky Cristina Barcelona: ao invés de enrolar alguém, seja simplesmente sincero e diga que está apaixonado pela melhor amiga dela e que estão felizes juntos. É estranho um homem tão sedutor ter uma inclinação tão forte para a monogamia. Ele é extremamente fiel ao seu amor por Maria Elena e Cristina, o que torna o fato de transar com as duas aceitável, afinal, elas também estão se comendo, né? Esse paradoxo de Juan o torna um personagem ainda mais interessante, mas que fica nas mãos das três mulheres.

Sua ex-esposa é a força criativa que o inspira. Ela é uma verdadeira força da natureza, como dizem alguns críticos. Penélope Cruz ofusca Scarlett Johansson sem precisar se esforçar. Basta abrir a boca e disparar seu arsenal de palavrões em espanhol, para conquistar o coração e o interesse do espectador, que tenta se esforçar para entender como uma mulher tão desequilibrada parece ser a única que realmente sabe o que está fazendo com a sua própria vida, apesar de todo o descontrole emocional em relação a seu relacionamento com Juan.

Vicky Cristina Barcelona é mais que um filme fetiche para qualquer homem ou mulher bem resolvidos com sua própria sexualidade, mas uma obra que trata de maneira única a dificuldade que temos de nos relacionar e conhecer a nós mesmos através de algo tão básico e ao mesmo tempo tão complexo quanto o amor.