Crítica: La La Land – Cantando Estações (2016)

“They worship everything and they value nothing.”

A frase de Sebastian, protagonista de La La Land interpretado por Ryan Gosling, refere-se diretamente à cidade de Los Angeles, na qual a adoração à grandiosidade, ao luxo e à fama é marca registrada, enquanto as lutas de tantos são esmagadas e o tempo soa uma abstração traiçoeira, conhecendo a adoração como completamente passageira. Todavia, quando contextualizadas ao momento em cena e ao substancial leque temático aberto pela obra de Damien Chazelle, as palavras do artista ganham novo significado.

A veneração, a idolatria, o culto, a adoração, enfim, configuram um emblema irrefutável de nosso tempo, tendo sido banalizadas e facilitadas enquanto são crescentemente desejadas; estes pedestais, porém, dividem espaço com uma desvalorização desmedida e veloz: a admiração, sonhada e rapidamente conquistada, se derrete numa velocidade ainda maior. O valor significativo, de fato, perdeu seu território para a fama, o prestígio, o reconhecimento de sucesso de acordo com os parâmetros materiais. A admiração, tal qual a dedicada por Sebastian às grandes figuras do jazz ou pela também protagonista Mia (Emma Stone) aos clássicos do cinema hollywoodiano, extinguiu-se, junto da imersão profunda às suas obras; em seu lugar, reside a idolatria passageira e unidimensional. E é o conhecimento da percepção artística daquele que permite a conclusão de que, sim, ele fala sobre o tempo. Como fala Damien Chazelle, sempre que uma epifania musical é interrompida por uma intervenção da atualidade mórbida, sejam as buzinas do engarrafamento ou o toque do celular; ou, apenas, por ter feito este filme.

Diante da compreensão de toda obra artística enquanto componente de um contexto e personagem potencialmente questionadora de sua realidade, há de se reconhecer a força de La La Land na discussão crítica do contemporâneo sob o escopo inevitavelmente transformador da arte – afinal, esta é definitivamente uma das esferas mais alteradas pelo passar do tempo. Los Angeles, metonímia da indústria do entretenimento criadora e assassina de tantos sonhos, é o cenário ideal. Um musical “clássico” é a forma ideal.

“Here’s to the ones who dream

Foolish as they may seem

Here’s to the hearts that ache

Here’s to the mess we make.”

Por que uma atriz deve se sujeitar às audições para papéis ruins antes de interpretar o que deseja? Por que um cantor ou pianista precisa vender discos antes de tocar aquilo que gosta? Por que um escritor desenvolve conteúdo encomendado para, depois, poder escrever o que gostaria? Por que um cineasta tem de garantir um sucesso de público antes de criar e filmar livremente?

Mia e Sebastian são inevitavelmente inspiradores e adoráveis por concentrarem em suas trajetórias os anseios de todos aqueles que, um dia, depositaram sua convicção, sonhos e seus mais puros sentimentos na arte. Arte, aquela que deveria representar o sopro da íntegra esperança, o terreno aberto da criatividade e da criação – e, em sua essência, ainda o faz; uma pena que, agarrando-a com força desproporcional, esteja sua condenatória comercialização.

A atualidade do cenário artístico e de toda a esfera cultural, em sua enunciada modernidade, é notadamente contaminada pelas obrigações comerciais, pela necessidade de monetização e sustento na lógica irrefreável da lucratividade. O que passa despercebido neste caminho é que, nos brilhantes e bilionários destinos do blockbuster, do best-seller, do líder de audiência ou de downloads, ficam pelo caminho as marcas de incalculáveis esperanças esmagadas, subjetividades podadas ou objetivos reprimidos. Uma atualidade na qual o conceito de sucesso artístico-cultural se sustenta determinantemente sobre números de público e valores materiais, na qual a pretensão da grandiosidade artística é preterida, desvalorizada e subjugada, afinal, um percurso longo e primoroso não garante retorno imediato, números, audiência ou seja lá o que for. Quantas obras-primas, revoluções artísticas ou grandes artistas já não deixaram de acontecer?

Destarte, o rapaz desistente da banda ruim que faz sucesso em razão de seu fascínio pelo jazz legítimo e “envelhecido” ou a jovem que arrisca tudo o que tem numa peça de autoria própria são os loucos, os inconsequentes, os equivocados e fracassados de uma conjuntura tão imperativa e agressiva, ao lado do escritor “ultrapassado” e de algumas outras figuras. Um “dane-se” – inspirado pelas legendas – às obrigações de audiência e faturamento, pois a cultura e a arte não serviram e nunca deverão servir a esta lógica. Verdadeiramente, os tais fracassados são a inspiração, os pulmões sobreviventes da arte, não importando que todas as correntes se esforcem tanto para corrompê-la. E se La La Land puder inspirar um só artista a perseverar obstinadamente por seus objetivos, mesmo que os obstáculos sejam duros e tentem dissimulá-lo, carregará o imprescindível mérito da formação de um resistente.

“She told me:

“A bit of madness is key

To give us new colors to see

Who knows where it will lead us?

And that’s why they need us”

 

So bring on the rebels

The ripples from pebbles

The painters, and poets, and plays

 

And here’s to the fools who dream

Crazy as they may seem

Here’s to the hearts that break

Here’s to the mess we make.”

–  Mia (Emma Stone)

“How are you gonna be a revolutionary if you’re such a traditionalist? You hold onto the past, but jazz is about the future.”

Sebastian, provavelmente acostumado, não se aborrece por ouvir tal afirmação – é provável, aliás, que esta o inspire. Afinal, a certos âmbitos: se este é o novo, então revolucionário é lutar pela preservação do tradicional – ou, que seja, retomar o velho. Revolucionário é La La Land.