a origem

(Mais algumas palavras sobre) A Origem

 
(Inception) De Christopher Nolan. Com: Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Ken Watanabe, Cillian Murphy, Tom Hardy, Dileep Rao, Tom Berenger, Pete Postlethwaite, Marion Cotillard, Lukas Haas, Michael Caine
 
A Origem fala basicamente sobre o poder das idéias. Da forma como elas podem transformar o modo de conhecer e de ser. Da forma como as idéias que temos se tornam concretas em ações, atitudes… A idéia de Christopher Nolan que deu origem à esse filme certamente não é das mais fáceis de assimilar, mas por isso mesmo foi criou o único filme capaz de reunir inteligência e entretenimento em 2011 (sem deixar de ser hollywoodiano). É uma espécie de tese defendida ao longo da projeção sobre a origem das idéias, e seu “real” (aspas já que se trata de ficção) funcionamento na consciência humana. Estão ali questões já tratadas por toda a história do pensamento. O filme fala da origem do conhecimento quando se cria uma realidade onde é possível se manipular as idéias, recolhendo-as ou inserindo-as no seu possuidor; da forma como elas inevitavelmente estabelecem modos de agir; e quando ficciona a partir disso, fala da capacidade de programar modos de agir através da inserção dessas idéias (o que seria a missão de Dom Cobb, personagem vivido por Leonardo diCaprio e sua equipe). Fala também do mundo dos sonhos, do subconsciente, daquilo que não se conhece ao certo, embora seja ali que estejam guardados as mais obscuras vivências, aquelas que se quer esquecer, mas que de certa forma são também constitutivas do sujeito, tendo sobre ele um poder na maioria das vezes complicado de distinguir (e aqui novamente temos a noção de idéia como algo contra o qual não há como lutar, pelo menos não quando ainda existem vestígios de idéias que se deseja apagar – algo retratado brilhantemente na história através do personagem de Mal, vivido por Marion Cottilard).
 
Finalmente fala das fronteiras do conceito de realidade, e do conceito de loucura: será mesmo que Mal morreu? Ou, se nos fizermos outra pergunta, será que Dom acordou? Referenciando aqueles cuja faculdade mental já está prejudicada, pelo menos aparentemente (ou pelo ponto de vista dos sãos), e que normalmente vivem numa realidade paralela, Nolan faz a pergunta (também já feita por Descartes no século XVII): o que nos garante que este mundo é real? Se o filósofo, racionalmente responde que o ato de pensar já garante uma existência real, aqui esta garantia não existe, já que as certezas passam a ser na maioria das vezes ilusórias, ou fabricadas. Não há certeza nem por parte do espectador, que é deixado com uma dúvida, que faz do final não menos do que genial: a história que se passa, na maioria das vezes no mundo dos sonhos, em níveis diferentes e paralelos de “realidade”, não poderia, ela mesma ser um sonho? Ou aquele peão que não para de girar simplesmente representa aquela realidade sonhada por Cobb, e que o motiva durante todo filme (colocando até a vida dos seus companheiros em risco)?
 
Filme irmão de O Grande Truque, outro filme genial de Nolan (que sempre merece um segundo olhar, sob o risco de ser injustiçado), A Origem brinca com certezas, desloca percepções, e aguça outras, normalmente esquecidas pelo cinema hollywoodiano, já que confia no espectador, deixando com que se habitue aos poucos à realidade arquitetada milimetricamente pelo diretor (já que o roteiro também escrito por ele se fundamenta quase perfeitamente). É também um filme de ação fantástico (e não há como não perceber semelhanças com a sequência da perseguição em Cavaleiro das Trevas), pois sufoca, tenciona, e deixa apreensivo aquele que assiste, por mais que a competência da equipe de ladrões já esteja comprovada – e a cena dos “chutes” sequencias, feitos simultaneamente em três níveis de sonho diferentes é magnífica: por si só já garantiria o Oscar de melhor direção para Nolan.
 
Mas temo que A Origem seja aquilo que foi Bastardos Inglórios no ano passado: por mais que seja cinema de qualidade, inteligente, (os dois filmes tem meta-realidades como verdade), ainda é pop demais para ser reconhecido pela academia. Grande injustiça, já que este filme só vem confirmar o espírito criativo de Nolan, que dirige filmes com temáticas diversas, mas que nunca deixam de surpreender. A Origem é aquilo que ele produziu de melhor até hoje.
 
p.s.: sei que é tarde demais para escrever sobre este filme, mas depois de ter assistido pela quarta vez E TER SONHADO ESTAR NUM SONHO DENTRO DE UM OUTRO SONHO, achei que deveria escrever alguma coisa sobre ele.