O Escritor Fantasma

AO CONTRÁRIO DO QUE O NOME POSSA SUGERIR, O Escritor Fantasma não é um filme de terror sobrenatural. A expressão faz referência ao profissional contratado para escrever em nome de outra pessoa – um escritor invisível. Esta é a função do personagem (sem nome) de Ewan McGregor.

A oferta era quase irresistível. Nas quatro semanas seguintes, ele trabalharia na “auto”biografia do ex-primeiro ministro britânico, Adam Lang (Pierce Brosnan), pela qual receberia US$ 250 mil – nada mal para um escritor sem grandes êxitos na carreira ou sequer experiência no mundo da política.

Na ilha americana (e fictícia) de Old Haven, onde Lang reside em uma imponente casa na praia acompanhado da esposa Ruth (Olivia Williams) e da assistente Amelia Bly (Kim Cattrall), o “fantasma” conduz entrevistas com o político afim de transformá-las em prosa. O trabalho logo é interrompido quando Adam tem de enfrentar acusações de crimes de guerra durante sua administração e o escritor tem de desenvolver o trabalho sozinho.

As circunstâncias começam a ficar cada vez mais suspeitas quando o protagonista se dá conta de que outro autor havia sido contratado para o trabalho, mas foi misteriosamente encontrado morto após uma viagem na balsa que liga a ilha ao continente. O escritor fantasma começa então a investigar o caso por conta própria e percebe não apenas que havia muitas lacunas na história de Lang, como o perigo a que se expunha na medida em que a trama fica mais densa.

Em O Escritor Fantasma, Roman Polanski volta a elementos de suspense que lembram uma safra particularmente boa de sua obra: guardadas as devidas proporções, há pitadas aqui e ali que trazem à tona o lado hitchcockiano do diretor (incluindo um uso bem adequado da ótima trilha de Alexandre Desplat).

Na ilha, e principalmente no ambiente quase hermético da mansão de Lang (apesar de a casa privilegiar a iluminação natural, o clima lá fora é sempre sombrio e cinzento), o mundo exterior chega quase que exclusivamente através da TV. Enquanto o ex-primeiro ministro está em maus lençóis devido às acusações de violações aos direitos humanos durante a Guerra do Iraque – conflito que teve apoio incondicional da Inglaterra -, é o escritor quem está confinado. A “prisão” não se refere apenas à ilha, mas a uma trama que, como percebe aos poucos, pode não ter saída.

É impossível não fazer um paralelo entre a claustrofobia de boa parte de O Escritor Fantasma e a prisão domiciliar de Polanski. O filme foi editado na Suíça, onde o diretor aguarda a extradição para os Estados Unidos para responder pelo estupro de uma adolescente de 13 anos, em 1977.

Independente da história pessoal do diretor, O Escritor Fantasma é uma boa adaptação do livro de mesmo título (feita pelo próprio autor, Robert Harris, a quatro mãos com o diretor), mas que, vez ou outra, se perde no ritmo crescente. No entanto, Polanski fez valer aquele Urso de Prata com uma direção certeira e que pouco deixa a desejar. Prova de que o polonês mais controverso do cinema pode estar beirando os 80, mas seu fôlego não se extinguiu. Melhor pra nós.

Título original: The Ghost Writer

Direção: Roman Polanski

Produção: Roman Polanski, Robert Benmussa, Alain Sarde

Roteiro: Robert Harris, Roman Polanski

Elenco: Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams, John Bernthal, James Belushi, Kim Cattrall, Eli Wallach, Tom Wilkinson

Lançamento: 2010

Nota: