Crítica: O Estranho que Nós Amamos (2017)

Uma das grandes qualidades de Sofia Coppola, é o talento em desconstruir histórias que estavam até então pré-estabelecidas no inconsciente coletivo das pessoas, ela já havia feito isso com Maria Antonieta, que hoje consigo imaginar como uma adolescente deslocada que se viu obrigada a aceitar um destino. E faz novamente (de maneira menos impactante) em O Estranho que Nós Amamos, que traz um novo olhar sobre um clássico.

O filme é baseado em um livro, que já havia sido adaptado em 1971 por Don Siegel. A história é a mesma: durante a Guerra Civil americana, o soldado ferido McBurney (Colin Farrell) é resgatado por um grupo de mulheres que vivem isoladas em um internato para moças no sul da Virginia, lideradas por Miss Martha (Nicole Kidman).

A tensão sexual é o elemento principal nos dois filmes, porém, no original o víamos pela ótica masculina, e esta é grande diferença nesta versão e sua maior qualidade, aqui vemos através da ótica feminina.  O que nos traz personagens cheios de nuances. O maior exemplo deles é a Edwina, que desta vez é retratada com um misto de desejo e forte repressão, fruto de um belo trabalho de Kirsten Dunst, que está especialmente bem em um elenco refinado. Aliás, vale ressaltar que Sofia sabe trabalhar com jovens atores.

São essas “pequenas” mudanças que fazem toda a diferença. A atenção está na observação das atitudes e não exatamente no que é dito. Muitas cenas podem ser usadas para reflexão do comportamento masculino e feminino que foi construído ao longo do tempo. Um exemplo é a cena do primeiro jantar, onde as moças se vestem como princesas, mesmo estando em um ambiente de guerra e com apenas um “príncipe” para corteja-las. Ou seja, através desses “detalhes”, não presentes no original, é possível aprofundar toda uma discussão e reflexão à respeito do tema.

Outra qualidade que não é possível passar desapercebida é a fotografia evocativa de Philippe Le Sourd (O Grande Mestre), que colaborando pela primeira vez com a Sofia, contribui para mais um trabalho visualmente impecável da diretora.

Porém, dito tudo isso, confesso que uma mudança no roteiro me incomodou, a exclusão da personagem Holly, uma escrava que trabalhava no internato, que havia no original. Entendo que a decisão tenha sido feita para focar na repressão feminina e não entrar no tema da escravidão, mas acho que seria mais rico caso ela tivesse mantido.

Esse é o filme mais diferente da filmografia de Sofia Coppola, que apesar de não ser o seu melhor, é um trabalho marcante que consolida ainda mais a carreira desta incrível diretora.