O Grande Gatsby

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COMO ROMANCE DEFINIDOR DAQUILO QUE SE CONSIDERA A IDENTIDADE AMERICANA DOS ANOS 20 EM SUAS CONTRADIÇÕES, EXCESSOS E VIDA PÓS GUERRA, O GRANDE GATSBY, DE F. SCOTT FITZGERALD (LIVRO QUE NÃO LI POR SINAL), é famoso por retratar uma história de amor quase épica que vence o tempo, mas não vence o destino, enquanto critica a sociedade da época: cega, abusiva, luxuosa e desigual, promissora ao mesmo tempo em que é dominada pelo crime. A sensação de liberdade e de imediatismo que escondia uma superficialidade assustadora. Quem são aquelas pessoas que dançam ao som de Jazz em festas regadas a bebidas em um tempo de lei seca? É assim que Nick (Tobey Maguire) vê este novo mundo para o qual se vê puxado e do qual sairá transformado, desiludido: não se trata portanto apenas de crítica social, mas de uma história sobre a perda da ingenuidade. A história clássica do grande (e misterioso) Jay Gatsby já foi levada aos cinemas pelas mãos de Herbert Brenon em 1926, Elliott Nugent em 1949 e em 1974 por Jack Clayton, roteiro de Francis Ford Coppola com Mia Farrow, Robert Redford, Bruce Dern e Sam Waterson nos papéis principais.

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É aqui que chegamos à Baz Luhrmann e a seu tratamento do enredo. O dado da perda da inocência no contato com uma realidade nova, ilusória, sedutora e trágica já foi filmada pelo diretor australiano em seus dois mais bem sucedidos filmes: Romeu + Julieta e (o meu preferido) Moulin Rouge. Em sua versão do texto de Fitzgerald vemos características que o fizeram conhecido, que se tornaram sua marca, o que em certo sentido torna o filme um “mais do mesmo”, algo que não chega a ser um demérito da produção. O filme tem qualidades (visuais e na direção de atores) notáveis acima de tudo, e se torna entretenimento de qualidade, contanto que o espectador se deixe transportar para a atmosfera esquizofrênica e exagerada típica do diretor, e faça algumas concessões com relação ao roteiro, adaptado por ele, quando comparado com a obra original.

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Os atores ganharam mais humanidade. A história é menos inocente, mais visceral. A ambientação ganha tons mais coloridos, às vezes quase fantasiosos. Gatsby (Leonardo DiCaprio) tenta se aproximar de sua amada Daisy (Carey Mulligan) comprando uma mansão do outro lado da baía, mas só o que tem é a luz verde que brilha no cais. O espectador quer descobrir e acompanhar a história de amor e devoção que ele sente pela moça, mas só o que tem é a versão contada por Nick (Tobey Maguire). Internado em uma casa de repouso, ele relembra e escreve a história que presenciou, como um espectador que vez ou outra interfere nos acontecimentos, mas acaba se tornando antagonista da sua própria história. Como um método terapêutico, ele compartilha suas lembranças com uma máquina de escrever (à moda do Christian de Ewan McGregor em Moulin Rouge). Nossa visão da história será, portanto, determinada pela dele.

Outra intervenção no destino, faz Jay Gatsby, que perde a oportunidade de se casar com sua amada por ser pobre quando jovem. Passa a vida inteira tentando reverter a situação, criando uma história que no futuro agradará Daisy, construindo um cenário ideal para conquistá-la. Gatsby realmente acredita que um dia eles viverão o “felizes para sempre”, que conseguirão reconstruir o passado, época em que tiveram um romance intempestivo, mas que contrariava as convenções sociais. Leonardo DiCaprio mostra, para qualquer um que ainda duvide, que é um ator excepcional, perfeito na caracterização de Gatsby, que vai desde a fragilidade e o medo de que qualquer traço da sua personalidade, meticulosamente construída, desaponte Daisy, até a raiva que aparece quando seu adversário tenta expô-lo aos olhos da amada. Contido, suas expressões e seus sentimentos são expressados através de nuances que demonstram um amor belo, singelo, quase congelado num passado vivido, infantil – e porque não dizer, desequilibrado, cego, mantido às custas de aparências, destinado à desilusão. O ator é a grande estrela do filme.

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Há também a já celebrada trilha sonora, produzida e na maioria das vezes composta por Jay-Z, um Midas da indústria cultural americana. Prova de que o filme foi concebido como um produto, um passo diferente daquele tomado em relação à última película de Luhrmann, Austrália, de 2009. Há certa urgência pelo sucesso alcançado no passado, algo que, como o próprio filme diz, ao contrariar Gatsby, não é possível. O filme é envolvente, tem momentos inspirados, mas não está a altura das expectativas e do potencial do casting: Joel Edgerton é um Tom Buchanam mais maquiavélico e apaixonado por sua amante, Myrtle (Isla Fisher), que por sinal ganha pouco tempo em cena e não impressiona; Elizabeth Debicki é uma Jordan Baker muito mais sedutora, e consegue indicar um envolvimento mais profundo com Nick, que na interpretação de Tobey Maguire conduz explicitamente a história com eficiência. E finalmente temos a Daisy de Carey Mulligan, que tem um personagem difícil em mãos: a mocinha às avessas, aquela que, no calor dos acontecimentos, e incapaz de agir e de se decidir por conta própria entrega seu destino aos homens de sua vida, uma bela e tola mulher. Há aqui uma comparação com a interpretação de Mia Farrow: enquanto a  versão de 74 parecia muito mais embebida, embriagada pela vida que levava – por isto mesmo cega e incapaz de decidir e julgar, a versão atual mostra uma Daisy mais consciente, com um tom mais crítico e menos afetado: por isto mesma mais culpável e responsável pelos acontecimentos. É a personagem com menos definições e mais aberta à diversas recepções do público.

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O Grande Gatsby de Baz Luhrmann cumpre seu papel quando pretende analisar – novamente, uma história de amor em um ambiente hostil, repleto de impossibilidades. O faz com a mesma mão pesada no estilo que um dia fez do diretor, um realizador tão festejado em Hollywood, mas que agora parece não ser suficiente para entregar um filme inovador. Ao mesmo tempo suas alternativas visuais (e musicais) servem para trazer para um público jovem a atmosfera pretendida (os incansáveis planos com dançarinos de jazz da versão de 74 se mostram enfadonhos em alguns momentos). Há uma identificação imediata. Cabe ao espectador julgar se isto contribui trazendo uma visão/versão mais fresca, revitalizada à história ou se no fim das contas o que se tem é uma total descontextualização e perda de identidade. Eu fico com a primeira alternativa.

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Título original: The Great Gatsby
Direção: Baz Luhrmann
Produção: Lucy Fisher, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Anton Monsted, Douglas Wick, Catherine Martin
Roteiro: Baz Luhrmann
Elenco: Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire, Carey Mulligan, Isla Fisher, Joel Edgerton, Callan McAuliffe, Jason Clarke, Elizabeth Debicki
Nota:[tresemeia]