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O Voo

por Nathália Pandeló e Tullio Dias

Flight Denzel Washington
ROBERT ZEMECKIS É UM CARA LEGAL. Ao menos é o que sugere a parte mais conhecida da sua filmografia. Ele faz filmes família, cujos protagonistas são pessoas primordialmente boas em situações adversas – que o digam o sujeito preso em uma ilha deserta de Náufrago, o desajustado social de Forrest Gump ou o adolescente que foi de 1985 a 2015 dentro de um carro maluco em De Volta Para o Futuro.

Mas Whip Whitaker (Denzel Washington) não parece estar tentando ser um cara legal. Ele aparece na primeira cena de O Voo cheirando cocaína, acompanhado de uma moça nua da metade de sua idade em um quarto de hotel e brigando com a ex-esposa ao telefone. A câmera dá um close por cima, quase que numa referência às obras de Hélio Oiticica. Tudo isso para tentar criar no espectador uma ideia de como acompanhar Washington em sua viagem ao som de “Feelin’ Alright”, de Joe Cocker.

O uso da droga não seria grave, não fosse o fato de Whip sair dali para pilotar um avião com 102 passageiros a bordo. O consumo excessivo de cocaína e álcool não ajuda quando a aeronave começa a apresentar dificuldades mecânicas, e o comandante não parece preocupado, apesar do pânico que se instaura do lado de fora da cabine. As comissárias de bordo mal conseguem se prender a seus assentos e os passageiros não reagem muito bem quando o avião é invertido pelo piloto. Apesar da tensão, Whitaker não tem dúvida de que vai conseguir aterrissar em segurança.

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Ele não estava errado. Mas O Voo não é apenas sobre a queda de um avião. As duas horas que se seguem exploram as conseqüências desse acidente – para a companhia aérea, a tripulação que sobrevive e, principalmente, para o piloto. Parte se deve à sua óbvia responsabilidade na condução da aeronave, mas o filme de Zemeckis foca na jornada pessoal que se inicia para Whitaker, que agora precisa enfrentar seus medos, erros e vícios.

Não deixa de ser um filme desastre – ao menos humano. Por isso, Whip se apega às poucas pessoas que o cercam: o amigo/traficante Harling (John Goodman), a bela Nicole (Kelly Reilly), que conhece no hospital, e até Hugh (Don Cheadle) e Charlie (Bruce Greenwood), cujo principal objetivo é não deixar que o caso prejudique o sindicato da categoria.

O roteiro de John Gatins (Gigantes de Aço) é de ficção, mas é a atuação indicada ao Oscar de Denzel Washington a responsável por manter O Voo com os pés no chão. Emoções como medo, raiva, culpa e negação dão o tom a um personagem que precisa aprender a lidar com a consequência de seus atos.

Além da bela trilha original de Alan Silvestri – compositor de Náufrago, Contato, Roger Rabbit, O Expresso Polar e outros 10 longas de Zemeckis -, existe uma seleção musical capaz de encher os ouvidos de todo cinéfilo fã de música de verdade. Fora Joe Cocker, ainda somos agraciados com faixas de Red Hot Chili Peppers, Marvin Gaye (você consegue adivinhar o que acontece nessa parte?) e especialmente Rolling Stones. A maioria das canções é usada de maneira inteligente, dialogando diretamente com os momentos dos personagens, como quando John Goodman entra em cena ao som de “Sympathy for the Devil”, dos Stones.

A faixa “Under the Bridge”, composta devido à morte do guitarrista original do Red Hot Chili Peppers, que era viciado em heroína, toca no momento em que Nicole entra em conflito entre consumir ou não a droga na que pode ser uma das melhores cenas musicais de 2013. Logo na sequência, ouvimos “Sweet Jane” (na versão do Cowboy Junkies), uma espécie de prenúncio dos trágicos acontecimentos na vida dela e do piloto.

Como geralmente acontece em dramas sobre o alcoolismo, O Voo depende muito do seu protagonista. Washington não decepciona e dá a volta por cima depois de um período atuando em filmes menos interessantes, como O Sequestro do Metrô 123, O Livro de Eli e Incontrolável. Mas ainda assim, o tema é melhor representado em Farrapo Humano, de Billy Wilder; e Despedida em Las Vegas, de Mike Figgis. O filme de Zemeckis acaba ficando um pouco arrastado em alguns momentos – e isso nem a bela trilha sonora compensa.

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Nota:[tresemeia]