Praia do Futuro

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INTERESSADO NA RELAÇÃO ENTRE SUJEITO E PAISAGEM, E EM COMO ESSES DOIS FATORES SE METAFORIZAM, Karim Aïnouz entrega novamente uma obra prima que estuda seus personagens perseguindo aquilo que eles deixam escapar nas entrelinhas, entre os silêncios e os não-ditos. O ponto de partida agora é a Praia do Futuro, lugar que dá nome a história de três homens e seus heroísmos: estão todos salvando-se através de suas decisões, seguindo seus desejos, rompendo com o passado, e construindo o presente. Quando o salva vidas Donato (Wagner Moura) vê o horizonte no litoral de Fortaleza, vê também o desconhecido para o qual quer se lançar, em um mergulho cujo destino é a ruptura e a busca por liberdade. Não há necessariamente libertação sexual, um tema pelo qual o filme passa sem suscitar grandes discussões. Não é este o foco aqui. É de um lugar “onde nada pode ser construído” que Donato quer fugir.

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É essa sua descrição da Praia do Futuro quando conversa com Konrad (Clemens Schick), alemão que conhece em um salvamento mal sucedido – Konrad sobrevivera, mas o corpo de seu amigo desaparece. A morte os une e faz surgir um desejo e uma paixão que moverá Donato até o outro lado do oceano. Morando em Berlim, hesita em voltar, até o ponto em que rompe definitivamente com seu ofício, sua família, e sobretudo com seu irmão, Ayrton (Jesuíta Barbosa). Até que o reencontro com seu passado aconteça, o azul dos olhos de seu amante servirá para fazer Donato se sentir em casa.

O filme trata do universo masculino investigando as fragilidades escondidas por trás das buscas por (auto) afirmações, o que justifica o tema do herói que permeia todo o filme. Interessante perceber (e os filmes de Aïnouz sempre exigem um espectador muito atento), que toda a narrativa foi construída de modo a referenciar esse universo, onde não há espaço para fraquezas ou incertezas. A força dos personagens na excepcional filmografia do diretor reside justamente no contrário: na humanidade com que se resgatam, com que trilham suas trajetórias, na imperfeição com que impreendem suas buscas, com que afirmam-se através de um lugar inseguro, arriscado. Aïnouz sempre filma uma fuga cuja destino é incerto e obscuro, mas é um destino, e sobretudo um destino como alternativa.

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A delicadeza com que realiza Praia do Futuro comprova a genialidade e o domínio de Karim Aïnouz quando câmera e roteiro (que escreve ao lado de Felipe Bragança) trazem um preciosismo e uma atenção a detalhes determinante para compreender a relação de pertencimento dos personagens, sempre em busca de perceber o entorno, como se essa fosse a chave para uma auto compreensão. Nosso olhar é levado não só a acompanhar essa busca, mas também a fazê-la por nós mesmos. Descobrimos a geografia filmada por Aïnouz, assim como o fazem seus personagens.

Para o diretor, o heroísmo está na coragem de se salvar diariamente. Nas pequenas batalhas que travamos com nossos desejos e limitações, quando criamos novas barreiras na medida em que rompemos com outras. O ato mais corajoso de que um sujeito pode ser capaz é entender que o abandono e a ruptura, que a morte e a dor são na verdade, catalisadores da trajetória que vive. E o cinema de Aïnouz alcança esse tema com sutileza, poesia e com uma confiança na potência das imagens enquanto discurso.

Uma das sequências mais simples e belas do filme: o casal dança na sala de seu apartamento, como se aquela fosse a celebração da liberdade e da felicidade que agora sentem, enquanto cantam uma música que fala sobre o desespero quando o que temos de mais precioso se revela frágil. E o que se pode fazer com essa fragilidade? Seguir, mesmo que o caminho pareça escorregadio e nebuloso.

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