Sem Dor, Sem Ganho

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A MANIA DE GRANDEZA DE MICHAEL BAY PARECE SER UMA CLARA TENTATIVA DE COMPENSAR ALGUMA COISA “PEQUENA” EM SUA VIDA. Entenda como quiser. Desde o começo da carreira, ele sempre se esforçou para ser a versão vitaminada de Steven Spielberg. Nunca chegou nem perto de conseguir sucesso. Na verdade, foi bem o contrário que aconteceu ao longo de sua trajetória cinematográfica. Após bons trabalhos como diretor de clipes musicais, Bay passou a trabalhar fortemente como um diretor de cinema. Com orçamentos cada vez mais exorbitantes, como a trilogia Transformers, e saciando um desejo sádico de destruir o máximo de coisas possíveis em seus filmes (é uma marca registrada do cineasta: sem destruição, não tem graça), parecia impossível imaginar o dia em que Bay relaxaria para assumir um projeto menor e mais pessoal. Isso aconteceu com o surpreendente Sem Dor, Sem Ganho, obra estrelada por Mark Wahlberg e Dwayne Johnson.

Inspirado num caso real acontecido na década de 1990 nos EUA, o longa-metragem apresenta o trio de fisioculturistas mais imbecis da história. Sério. São os três patetas da musculação. E é justamente por toda a falta de inteligência (ou mínimo de bom senso) de seus protagonistas que Sem Dor, Sem Ganho merece uma atenção especial. É quase impossível o espectador não se deliciar com o arsenal de pérolas que os marombeiros joselitos oferecem. As risadas são quase garantidas, e em uma temporada tão fraca em comédia, acaba agradando mais que algumas obras do gênero. A química de Wahlberg, Johnson e Anthony Mackie é essencial para a condução da história. Seria sonhar alto demais esperar uma boa direção de Bay, que é salvo justamente pelo excelente trabalho do elenco. Exceto pela breve participação de Ken Jeong (o Mr. Chow, de Se Beber, Não Case), que não convence como um palestrante de auto-ajuda fundamental para a realização do desastrado plano de sequestro da trama.

Lugo (Wahlberg) é um personal trainer de sucesso, mas percebe que a sua vida não passará daquilo. O seu trabalho com os clientes é o ponto máximo de sua carreira. Ele nunca poderá desfrutar dos luxos que seus clientes arrogantes, como Victor Kershaw (Tony Shalhoub, mais conhecido como Monk). Depois de participar de um curso de auto-ajuda, Lugo tem um insight sobre o que deveria fazer para mudar de vida. Ele recruta Doorbal (Mackie) e Doyle (Johnson) para sequestrarem Kershaw e arrancarem toda a sua grana. O que eles não imaginavam é que “assistir a muitos filmes” não é exatamente uma garantia de um crime bem sucedido.

pain and gain

De longe, o melhor de Sem Dor, Sem Ganho é o personagem de Johnson. Paul Doyle é um ex-presidiário que encontrou Jesus e reluta muito para aceitar participar do crime. Geralmente, as obras de Michael Bay costumam sofrer do mal de explorarem pouco os personagens. Sempre são seres unidimensionais e que oferecem muito pouco para causarem identificação com o espectador. A situação aqui é diferente e conseguimos criar empatia pelo trio, e até mesmo pelo chato Kershaw. Enquanto Lugo quer apenas ser amado por todas as pessoas, Doyle começa como uma pessoa “de bem” que é forçada a entrar numa situação criminosa. Tanto que é o único sequestrador que cria uma relação com Kershaw e se nega a concordar com as atitudes e decisões mais violentas contra o novo “amigo”. No entanto, ele demonstra ser o mais fraco psicologicamente, se deixando levar pela riqueza adquirida e as mulheres que encontra. Doorbal também possui seus próprios dramas e motivações para se tornar um criminoso, embora sejam por motivos ridículos. Aliás, todas as motivações dos criminosos de Sem Dor, Sem Ganho são meio infantis e babacas. O curioso é que esses fatores não depõem contra a obra, pois ela é justamente sobre a burrice e imaturidade do trio.

Os frequentadores das academias de musculação poderão se sentir um tanto ofendidos com o longa-metragem (embora exista a possibilidade destas pessoas assistirem ao filme, se divertirem horrores e ignorarem o fato de serem retratados como completos idiotas). Especialmente durante o primeiro ato, o roteiro faz questão de ridicularizar e diminuir quem ganha a vida trabalhando com os músculos. Todo mundo sabe que quem vai na academia todos os dias está em busca da forma física perfeita e possivelmente são pessoas extremamente narcisistas. Eles trabalham com aquilo o dia inteiro, pagando fortunas para sofrerem carregando peso e conquistarem o corpo ideal, ao invés de simplesmente se contentarem com uma boa condição física. As narrações do personagem de Wahlberg, e a maneira como ele divide o mundo entre quem é dedicado e quem só enrola, são hilárias. “Eu acredito em boa forma”. Lugo é um cara alienado demais para compreender o mundo real e acredita que todos precisam ser verdadeiras máquinas de combate. Talvez Michael Bay tenha sofrido bullying quando tentou frequentar alguma academia e fez questão de bolar a sua vingança criticando a inteligência dos personal trainers. Vai saber… O importante é que a obsessão pela forma física recebe um tratamento eficiente nas mãos do cineasta.

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A trilha sonora possui grandes momentos, com “Gangsta Paradise”, de Coolio; “Blaze of Glory”, de Bon Jovi; e uma bela canção principal chamada “I´m Big”, de Steve Jablonsky. A faixa é perfeita para a atmosfera da obra. Você consegue sentir que existe um clima de querer correr atrás do sonho americano, mas que ele é muito difícil de ser alcançado e podem existir dificuldades no caminho. É um sonho que chega ao fim. Michael Bay soube escolher o tema do filme com sabedoria, o que já é um grande ponto positivo. Ainda temos o groove gostoso de “Let a Woman be a Woman, Let a Man be a Man“. de Dyke & The Blazers; e “Kids“, do Sleigh Bells.

Ainda que não seja uma produção espetacular (ou algo capaz de transformar Michael Bay em um cineasta respeitado pelos críticos/cinéfilos xiitas), Sem Dor, Sem Ganho é bom o suficiente para valer o ingresso e garantir a diversão do final de semana. Com um humor negro completamente sem noção e um elenco inspirado, o longa-metragem mostra até onde certas pessoas estão dispostas a ir para realizarem os seus sonhos. E ao contrário do que acontece geralmente, os personagens apresentados são verdadeiras mulas musculosas e que deveriam ter se preocupado só um pouco em exercitar o cérebro. Sorte nossa, que somos presenteados com muitas cenas hilárias no melhor trabalho da carreira de Michael Bay até o momento. Será que existe esperança para o futuro?

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Nota:[tresemeia]