Um Dia

O Cinema de Buteco avisa: crítica com spoilers.

O GRANDE PROBLEMA DE CERTOS FILMES DE ROMANCE é que às vezes eles são previsíveis. Você sabe que o casal enfrentará vários problemas, irão resistir contra o amor que existe entre eles, terão relacionamentos com outras pessoas e serão traídos, farão as pazes e assim por diante. São os ingredientes de uma boa comédia romântica clichê, salvo raras exceções. Sim, claro que existem boas comédias românticas. Quem foi que inventou que clichês são sempre negativos? De vez em quando é uma boa experiência sentar e se deixar levar pelas mil maneiras diferentes que os roteiristas inventam de contar uma mesma história. Um Dia vai mais ou menos por esse caminho.

Baseado na obra de David Nicholls, que também escreveu o roteiro, a produção conta com a direção de Lone Scherfig (Educação). O roteiro explora o relacionamento de Dexter e Emma, mas ao invés de ser linear e mostrar dia por dia da vida dessas duas pessoas tão diferentes, ele inicia a história no dia 15 de julho de 1988. Talvez eu tenha gostado da ideia por ter a coincidência de ser QUASE no dia do meu aniversário. Enfim. A história se passa de ano em ano, mostrando apenas (e exatamente) o que acontece em todos os dias 15/7 da vida da dupla. Ao contrário do que isso possa parecer, o filme não estraga o conceito e, embora a linguagem cinematográfica impeça a utilização de todos os elementos contidos na obra literária, o resultado final não deixa muito a desejar para os fãs do livro.

A opção de iniciar a história do presente para o passado nos dá uma grande pista de que teremos um desfecho infeliz para o romance vivido pelos atores Jim Sturgess e Anne Hathaway. Para quem assistiu Cidade dos Anjos fica bem claro que aquela cena dela andando de bicicleta não pode estar ali por acaso, que alguma coisa ruim irá acontecer. E quando acontece, consegue deixar o espectador chateado. Infelizmente não pela forma como a morte de um afetaria a vida de outro, mas simplesmente pela forma como aconteceu. Quando a pessoa se encontrou profissionalmente e também no campo pessoal depois de tantos anos dando murro em ponta de faca. Lamentável que um dos momentos mais marcantes de Um Dia seja o mais desagradável.

Uma coisa completamente irritante na produção é trilha sonora. A música tema é repetitiva, sem a menor graça e completamente broxante. Você escuta isso uma vez e ok, legal, bonito. Mas então a canção passa a repetir exaustivamente, como se a Rachel Portman tivesse feito um contrato inverso para receber seu pagamento. “Se vocês tocarem ela o filme inteiro, podem me pagar um lanche no McDonalds”, ou algo do tipo.

Curioso perceber o trabalho de maquiagem para envelhecer os atores e a performance de Sturgess, que supera em muito o trabalho da parceira. O grande trunfo de Hathaway, vamos ser sinceros, não é a atuação (nem quando ela resolve ficar sem camisa, embora isso seja parte dos meus motivos para assistir qualquer coisa dela), mas sim no carisma absurdo que ela esbanja. A sua personagem parece feita sob medida para arrancar risadas do público com um senso de humor sarcástico e apaixonante. Como resistir à essas garotas rabugentas e inteligentes?

No final das contas, Um Dia é um filme sobre como deveria ser o verdadeiro amor. Tudo começando com uma atração platônica de uma das partes, depois resultando numa noite levada pelo acaso e onde tudo tem que dar errado. Daí se cria um elo, um tipo de sentimento que você não consegue nutrir por uma pessoa qualquer, mas que não consegue enxergar que é bem maior do que parece. Você vai levando, amadurecendo, conhecendo mais da pessoa e percebendo que a sua vida só tem sentido quando está ao lado dela. O tempo passa, vocês continuam afastados, ainda que pensem sempre em como seria se acabassem juntos, o que um dia acaba acontecendo de verdade. A felicidade verdadeira, o amor de simplesmente ficar feliz por sentir o bafo da pessoa no seu rosto de manhã, tudo aquilo que você achava que só fosse possível no cinema/literatura/músicas dos Beatles passa a acontecer diariamente e aquilo vira o seu motivo de viver. Até que num belo dia, seguindo a história apresentada no sensacional Fonte da Vida, a sua outra metade é tirada de você e é preciso lidar com o amor que sobrou, tornando todas as lembranças em motivo de dor e desejo de causar a sua própria morte. E também é um filme sobre o amadurecimento de um homem, que o tempo inteiro preferiu o caminho fácil e sempre fez as escolhas erradas, mesmo que fosse inteligente o suficiente para saber que deveria manter por perto aquela pessoa em especial. Uma lição para aqueles que aguardam tempo demais para tomar as decisões importantes. 

Título original: One Day
Direção: Lone Scherfig
Roteiro: David Nicholls
Elenco: Anne Hathaway, Jim Sturgess
 Nota: