Sinfonia da Necrópole Crítica Mostra São Paulo

Crítica: Sinfonia da Necrópole – Mostra de SP

Sinfonia da Necrópole (Idem, Brasil, 2014). Escrito e dirigido por Juliana Rojas. Com Eduardo Gomes, Luciana Paes, Hugo Villavicenzio, Germano Melo e Augusto Pompeo.

38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #10

Sinfonia da Necrópole Crítica Mostra São Paulo

Há cerca de três anos, um grupo de novos cineastas formado por Marco Dutra, Juliana Rojas, Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida e Sérgio Silva criou a produtora independente Filmes do Caixote, fazendo bastante barulho já com seu longa-metragem de estreia, o perturbador Trabalhar Cansa (dirigido por Dutra e Rojas), que, premiado nos festivais de Paulínia e Brasília e exibido na mostra paralela “Um Certo Olhar” no Festival de Cannes, transformava o dia-a-dia pacato de um pequeno mercado local em um microcosmo de horror que canalizava o medo e a insegurança com que se convive diariamente na vida suburbana das grandes cidades brasileiras. De lá pra cá, Gotardo dirigiu o excelente O Que Se Move e Dutra o eficiente Quando Eu Era Vivo, que, apesar de irregular em seu roteiro, conseguia trabalhar com as convenções do Cinema de terror de uma maneira bem brasileira.

Como admirador do trabalho do grupo, portanto, foi com tristeza que percebi que este Sinfonia da Necrópole, embora bastante elogiado nos festivais pelos quais já passou, não conseguiu funcionar como a comédia de humor negro que se propunha a ser, tornando-se cada vez mais embaraçoso à medida em que tenta levar sua abordagem “ionesquiana” às últimas consequências.

Escrito pela própria Rojas, Sinfonia da Necrópole se passa praticamente todo no interior de um cemitério onde o coveiro Deodato (Gomes), prestes a perder o emprego por ser lento e sensível demais ao lidar com os cadáveres, recebe a incumbência de auxiliar a agente funerária Jaqueline (Paes) em um projeto de “verticalização” do local visando o aumento de vagas. Passando a acompanhar a durona agente em cada nova etapa da empreitada, do mapeamento e divisão das tumbas entre ocupadas, abandonadas e não cadastradas à reconstrução em si, o sujeito passa a se apaixonar pela nova chefe, melhorando então seu desempenho e enfim encontrando a motivação que lhe faltava para trabalhar na “casa dos mortos” – o problema é que estes não se mostram muito contentes com a obra e resolvem assombrar o amedrontado protagonista.

Investindo em uma encenação inspirada no teatro do absurdo de dramaturgos como Eugène Ionesco, Samuel Beckett e Bertolt Brecht – ou seja, optando por por um tom tragicômico em que sequências inesperadas e muitas vezes deslocadas narrativamente invadem a tela com o intuito de causar o espanto ou o choque do espectador (e só o fato de o filme ser um musical sobre a vida no cemitério já revela muito sobre a proposta do projeto) – o longa jamais teme utilizar clichês facilmente reconhecíveis pelo espectador ou soar ridículo ou constrangedor demais, demonstrando um orgulho tolo de trazer em suas canções versos risíveis como “Um dia você vai morrer. Até lá tome cuidado para não nos aborrecer” e “Ousar mexer no repouso de quem já foi sepultado é errado – é errado” e mesmo de fazer trocadilhos dignos de “A Praça É Nossa” como: “Melhor não se envolver. Isso não é da nossa ossada”.

Mas não são só as canções e os diálogos mal escritos e expositivos de Sinfonia da Necrópole que levantam a velha questão sobre a possibilidade de algo se tornar bom de tanto ser ruim (em minha visão, o máximo que uma obra consegue ao tentar ser “assumidamente” ruim é… ser ruim): se esforçando para fazer metáforas e analogias críticas – na maioria das vezes bem vagas, é verdade – sobre a ganância das grandes corporações, a loucura da especulação imobiliária e as agruras da vida moderna nas metrópoles, o longa demonstra não ter o menor estofo intelectual para discutir esses temas de maneira minimamente inteligente, constrangendo ao atirar para todo lado e soar como um triste protesto alienado de uma classe média completamente desconectada com as realidades que deseja confrontar.

Over também em suas atuações (ainda que Luciana Paes tenha um senso de humor particularmente divertido) e dirigido de maneira absolutamente apática por Rojas, Sinfonia da Necrópole talvez seja a grande decepção da 38ª edição da Mostra de São Paulo. De agora em diante, é torcer para que Gotardo, Dutra e cia recoloquem os pés no chão e entendam que ousadia e desejo de protestar contra seja lá o que for não garantem a eficiência de uma comédia de humor negro.

Ainda mais de uma tão absurda como esta.

Sinfonia da Necrópole Crítica Mostra São Paulo