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Big Brother Brasil: o entretenimento de uma geração

HÁ ALGUMAS SEMANAS, ao publicar no Cinema de Buteco sobre Soltos em Floripa, apontei a facilidade de se produzir entretenimento atrativo no formato de um reality show: “É naturalmente interessante aos olhos humanos observar seus pares convivendo sob o mesmo teto e sendo filmados”. Concordo com as palavras por mim redigidas na ocasião (raridade), mas acrescento: os programas do tipo feitos hoje vão além desta eficiência. Eles captam com precisão aquilo que entretém as gerações mais jovens, como nenhum outro segmento do audiovisual foi capaz, até agora, de fazer.

Os nativos digitais

A produção audiovisual enfrenta dificuldades para atrair o público jovem. Mais especificamente, os nativos digitais (quem já foi criado no território da internet). Embora os serviços de streaming e as produções da Marvel pareçam surfar na onda dessa população, as coisas não são bem assim. Um estudo realizado pela Microsoft Canadá mostrou que, em 2013, o período de concentração humana atingiu oito segundos. Não por acaso, um story no Instagram tem até dez segundos, um tuíte não ultrapassa 280 caracteres e, no YouTube, a aposta é em vídeos curtos. 

Todos esses produtos atendem à demanda da audiência. Além disso, as notificações constantes e os feeds infinitamente atualizados dão a sensação de que sempre há coisas novas acontecendo. Nessa disputa, a internet dá um banho. Como atrair as pessoas para uma história que precisa de horas para ser contada? Que tem início, meio e fim roteirizados, sem mudanças no percurso? Qual filme ou série irá afastá-las por “tanto tempo” de seus celulares?

A resposta, provavelmente, será “nenhum” – ou algo perto disso. Do ponto de vista do alcance, hoje parece fazer mais sentido contar histórias que possam ser seguidas durante o uso dos smartphones do que o contrário. O consumidor é multitela. Em pesquisa encomendada pela Google, apontou-se que 68% dos brasileiros assistem à televisão e usam o celular ao mesmo tempo. Para que não se tornem uma mera imagem de fundo, portanto, outros produtos precisam capturar e engajar o olhar do público.

Audiência multitela

As incursões da ficção, nesse sentido, ainda não encontraram um caminho. Sete anos atrás, a série Hannibal estreava pelo canal a cabo AXN. Na época, a emissora divulgou enfaticamente sua “segunda tela”, um aplicativo com conteúdos exclusivos para os telespectadores. “Ao mesmo tempo em que um capítulo da série estiver do ar, será possível ver bastidores daquela cena, acessar informações sobre a trama e os personagens, bem como obter a biografia dos atores que fazem parte do projeto. O app funcionará em sincronia com cada episódio da série e permite, também, o acesso aos perfis no Facebook e Twitter”, explicou, na época, o Meio&Mensagem. Apesar dos recursos diferenciais, a produção norte-americana não obteve grande êxito e durou três temporadas. 

Mais tarde, em 2018, a Netflix investiu na interatividade com Bandersnatch, filme derivado da série Black Mirror. Nele, o espectador decide os rumos da trama no seu controle remoto. No processo, contudo, a qualidade do roteiro foi esquecida – independentemente das escolhas do assinante, o resultado decepcionará. Ou seja, nenhuma das tentativas criou o hábito de acessar as duas telas em parceria. A impressão é a de que a audiência quer consumir coisas diferentes, simultaneamente, em cada uma delas. Se um único produto entrega isso, terá seduzido um público tão desejado.

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O BBB entrega

A vigésima temporada do Big Brother Brasil é um sucesso. As mais de 175 milhões de menções no Twitter até o dia 1º de Abril, um paredão recordista de votos e os bons índices de audiência na TV Globo – e no seu canal por assinatura, o Multishow – falam por si. Porém, não bastariam para justificar a afirmação (provavelmente exagerada) que dá título a esse texto. As estratégias da produção são mais completas e, sem poder afirmar isso com certeza, dão a impressão de que por trás delas há um grande conhecimento dos comportamentos e tendências atuais.

Tal qual faz, na política, o bolsonarismo, o BBB mantém seus espectadores (no exemplo, os militantes) engajados no programa o tempo todo. Lá, como cá, por meio da internet. Os brasileiros desbloqueiam seus celulares, em média, 78 vezes por dia, segundo a pesquisa Global Mobile Consumer Survey. Se competir com essa tela é inviável, o ideal é estar nela na maior parte desses acessos. Para isso, oferece estímulo permanente. São jogos da discórdia, provas que potencializam conflitos, viradas inesperadas nas regras e tensões recorrentes. Todas essas coisas incitam a audiência a consumir e repercutir as narrativas do jogo sem piscar nas redes sociais – muito além do período exibido na televisão. 

Para estar nelas, o programa reproduz sua própria lógica. Estudiosos do assunto, incluindo psicólogos do Grupo de Dependência Tecnológica da Universidade de São Paulo (USP), comparam as redes sociais às máquinas caça-níqueis, onde cada jogada oferece uma suposta recompensa – o que mantém os jogadores ali. Nas redes, cada conteúdo novo recompensa o clique na notificação ou a rolagem do feed. No reality, as conversas, brigas e as variadas cenas exibidas no pay-per-view são publicadas, viralizam e rapidamente pautam as discussões do Twitter, engajando milhões de usuários no debate. Para não perder nada, é preciso estar nele.

Pertencimento

Mais conectada à internet do que nunca, essa fatia da sociedade é também (e consequentemente) mais solitária. O mesmo BBB que estimula a participação digital também fomenta a criação de grupos. Estar na torcida de um participante ou mesmo tomar um lado em algum conflito da casa – nesta edição, o episódio do “teste de fidelidade” e as acusações de machismo de alguns participantes foram exemplos claros disso – significa, no ambiente virtual, se unir às pessoas que concordam com você. Essa sensação de pertencimento, para parte do público, só é proporcionada pelos espaços virtuais. Numa entrevista concedida ao programa “Todo Seu”, no ano de 2016, o jornalista Maurício Stycer, referência absoluta na cobertura da televisão, afirmou que “o Twitter, de alguma maneira, substitui a sala [de TV]”. Acompanhar o programa participando de suas discussões o torna muito mais atrativo.

O mesmo Stycer escreveu, numa coluna publicada no jornal Folha de S. Paulo em fevereiro, que “não basta que existam conflitos; eles precisam provocar engajamento”. A mesma faixa etária que procura estímulos, ocupa as mídias móveis e se sente solitária é, ao mesmo tempo, a que mais busca fincar suas ideias e afirmar suas convicções. Espaços que antes abrigavam esse anseio (grupos políticos) deram lugar à internet. Com isso, as redes sociais se tornaram uma arena de militância constante. Uma atração que reúne pessoas de grupos sociais, criações, ideologias, profissões, origens, gêneros e outras características distintas carrega um potencial absurdo de despertar controvérsias e pautar essas arenas. A vigésima e atual temporada é uma prova explícita disso.

Do meme à questão social, tudo clama por ser visto e falado imediatamente. E, no BBB, consegue. Todos os caminhos levam ao mesmo lugar. Aos outros produtos do entretenimento, cabe encontrar, cada um à sua forma, essa rota.