A indústria do cinema amanheceu em estado de choque: depois de meses de especulação, a Warner Bros. Discovery não foi engolida pela Paramount Skydance — como todo mundo temia —, mas sim pela Netflix. O resultado? O mesmo apocalipse corporativo, só que com outro nome na porta. Demissões em massa, impacto brutal na janela teatral, e um fantasma assombrando Hollywood: o último grande estúdio clássico agora faz parte de um streamer cujo hobby favorito é empurrar salas de cinema para o túmulo.
Mas, por mais absurdo que pareça escrever isso… poderia ter sido pior.
No balanço geral, e considerando as forças em jogo nos bastidores, a compra pela Paramount Skydance seria um cenário tão devastador que faz a aquisição pela Netflix parecer quase civilizada.
Quase.
A aquisição “Noble”: quando o nome do projeto já é um insulto
A Netflix decidiu chamar a operação de compra de “Project Noble”. Nome perfeito, se a intenção era reforçar que CEOs vivem numa realidade paralela onde demissões em massa, monopólio e destruição da cultura de cinema são coisas “nobres”.
David Zaslav, por sua vez, deixa a Warner depois de pilotar o estúdio até o abismo — uma queda que permitiu que um streamer faminto devorasse uma das marcas mais tradicionais de Hollywood. E ironicamente, a Warner até vinha se recuperando em 2025, emplacando sucessos como:
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A Minecraft Movie
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Sinners
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Final Destination: Bloodlines
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Superman
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Weapons
Ou seja: o estúdio renascia, mas o estrago já estava feito.
O grande temor: a redução brutal da janela teatral
As primeiras informações apontam que a Netflix pretende reduzir ainda mais a janela de exibição dos filmes da Warner — possivelmente para duas semanas. É o suficiente para dizimar completamente o valor da passagem pelo cinema e encorajar ainda mais o público a esperar pelo streaming.
Ainda há etapas regulatórias a serem concluídas e até rumores de que a Paramount tentará um contra-ataque hostil, mas o quadro geral não é animador.
E é aqui que começamos a enxergar o “lado menos pior” dessa história.
O cenário alternativo que ninguém queria: quando a Paramount quase entregou Hollywood ao trumpismo
David Ellison, CEO da Paramount Skydance e herdeiro de um dos maiores bilionários dos EUA, mantém laços profundos com o trumpismo. E esses laços não são discurso, são consequências.
Não bastasse o histórico de favorecimentos, escândalos e intervenções políticas nada sutis do ex-presidente, o mundo inteiro viu no mês passado a confirmação mais surreal dessa relação: Trump pressionou para que “Rush Hour 4” fosse aprovado na Paramount, como um agrado ao amigo Brett Ratner — um diretor praticamente banido da indústria após múltiplas acusações de assédio e abuso.
Se a Paramount comprasse a Warner, a porta estaria escancarada para esse tipo de interferência direta na linha criativa de um estúdio centenário. Trump poderia:
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exigir demissões
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pressionar cancelamentos
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enterrar filmes politicamente incômodos
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colocar Bar(on) Trump tocando a continuidade de Citizen Kane ou Gone with the Wind
Sim, parece absurdo. Mas esta é a realidade em que a indústria vive hoje.
E o risco não parava aí.
O problema moral e cultural: dinheiro saudita financiando Hollywood
A oferta da Paramount Skydance viria, em parte, com fundos sauditas.
Isso significa:
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censura direta
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pressões sobre representações LGBTQ+
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restrições temáticas
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ingerência criativa em larga escala
E não é paranoia: artistas que participaram do Riyadh Comedy Festival já relataram limites explícitos sobre o que podiam dizer. Agora imagine isso aplicado a grandes produções americanas.
Para um país que executou o jornalista Jamal Khashoggi em 2018, falar em liberdade criativa não é apenas ingenuidade — é fantasia.
Hollywood permitir a entrada saudita em um estúdio do tamanho da Warner seria, além de moralmente indefensável, culturalmente catastrófico.
Então a Netflix é “boa”? Claro que não.
A Netflix não é um porto seguro. É apenas o lobo menos faminto.
Se os planos oficiais se confirmarem, a empresa pretende transformar o catálogo da Warner em uma espécie de motor de treinamento para seu “AI supercharger”, uma estratégia que faz qualquer cinéfilo sentir calafrios. É a evolução distópica da lógica atual: IP como combustível para algoritmos.
Mas ainda assim, diante das alternativas — interferência política aberta, censura internacional, capital autoritário — o estrago é menos irreversível.
A piada que agora virou realidade: a Netflix dominou Hollywood (e, somando Warner, é “campeã de indicações”)
No meio do caos, vale registrar:
a verdadeira campeã de prêmios agora é a Netflix — afinal, somando suas próprias indicações com as da recém-adquirida Warner, não tem pra ninguém.
Claro que isso é hipérbole. A Netflix teve 27 indicações no Critics Choice.
Mas se você junta com as 36 da Warner, dá para espalhar por aí que a gigante do streaming virou líder absoluta — mesmo que tenha “comprado o resultado”.
O Oscar corporativo do capitalismo tardio.
Hollywood nunca esteve tão frágil
O estado da indústria é, sem exagero, o pior da história recente. Os estúdios clássicos estão colapsando, os cinemas seguem lutando para sobreviver e streamers enriquecem enquanto destroem a base cultural de onde lucraram.
A compra da Warner pela Netflix não é celebração — é luto.
Mas, diante da alternativa, o estrago poderia ser infinitamente maior.
E isso diz tudo sobre o mundo distorcido em que Hollywood vive hoje.

