review beleza americana

Review Beleza Americana: Como um bom vinho que melhora com o tempo

Na superfície, é só a história de um homem de meia-idade de saco cheio da própria vida. Lester Burnham (Kevin Spacey, num tempo em que ainda podíamos elogiá-lo em voz alta) trabalha num emprego corporativo vazio, tem um casamento em ruínas, uma filha que o despreza e uma vizinhança feita sob medida para capas de revista de decoração. Mas tudo muda quando ele se apaixona pela amiga adolescente da filha — uma faísca moralmente repulsiva que acende a fogueira da sua rebelião contra a mediocridade.

Só que Beleza Americana não é sobre pedofilia, nem sobre a crise da meia-idade. É sobre a fachada. Sobre tudo aquilo que a gente finge que é. É o subúrbio como teatro da hipocrisia moderna — uma sátira afiada onde cada cerca branca esconde um abismo existencial, cada sorriso é um grito abafado, e cada jantar em família tem gosto de antidepressivo vencido.

Sam Mendes dirige com precisão cirúrgica, embalando essa dissecação moral com uma fotografia simbólica que beira a poesia visual — a rosa vermelha virou um ícone, mas também uma prisão: ela é símbolo da obsessão, do controle, da frustração sexual. Thomas Newman assina uma trilha sonora minimalista que pulsa com o vazio dos personagens. E o roteiro de Alan Ball (que depois criaria Six Feet Under, aliás) costura diálogos cortantes com monólogos existenciais, criando um tapete de tensão e melancolia que parece prestes a explodir a qualquer momento.

Lester Burnham é um anti-herói moderno, tipo Dom Quixote armado com halteres e um baseado. Ele tenta reencontrar a juventude, o prazer, a liberdade. Mas sua jornada não é libertadora — é patética, trágica e perigosamente real. Porque quem nunca pensou em mandar o chefe à merda, comprar um carro velho só por capricho ou simplesmente… largar tudo?

O elenco brilha em cada canto: Annette Bening como a esposa obcecada por sucesso é uma bomba de nervos e controle. Thora Birch, a filha, é o retrato da adolescência como trincheira emocional. E Wes Bentley como o vizinho perturbado e poético dá um show à parte com aquela famosa sacada do “vídeo da sacola voando” — uma cena que virou meme, mas que, no filme, é arrebatadora.

No fim, Beleza Americana é um soco disfarçado de sussurro. Um filme que ri da superficialidade enquanto a despedaça. Que escancara o quanto a gente vive de aparências, repete mantras vazios e morre em vida com um sorriso treinado. É incômodo, é ácido, é belo. E sim, é trágico — porque o momento em que Lester finalmente se reconcilia com o que importa… é tarde demais.

Você vai rir, vai se envergonhar por rir, e no fim vai ficar olhando pro teto, ouvindo a trilha tocar, e pensando: “Talvez a beleza esteja mesmo por toda parte. Talvez o problema seja só a gente que esqueceu como enxergar.