review a noite sempre chega

Review A Noite Sempre Chega: Thriller angustiante da Netflix mostra a realidade oculta dos EUA

Se você acha que a vida é difícil, “A Noite Sempre Chega” vai te mostrar que sempre pode ficar mais desesperador. Vanessa Kirby entrega a performance da sua carreira como Lynette, uma mulher atolada em boletos, desesperança e decisões moralmente ambíguas que fariam até a Cersei Lannister dizer “calma lá”. Dirigido por Benjamin Caron e baseado no livro de Willy Vlautin, o longa é um soco no estômago que dura 108 minutos e não oferece um único momento de alívio.

A trama se desenrola em uma Portland sufocante e desumana, onde Lynette tenta desesperadamente juntar 25 mil dólares em menos de 24 horas para comprar a casa onde vive com a mãe consumista (Jennifer Jason Leigh, perfeita como sempre) e o irmão com síndrome de Down (Zach Robin Gottsagen). A mãe, aliás, gasta o dinheiro da entrada em um carro novo porque “merece se mimar”. É quase uma parábola sobre como o capitalismo transforma afeto em carnê.

A partir daí, o roteiro se transforma numa maratona de humilhações, favores cobrados, encontros com cafetões, políticos canalhas e ex-namorados emocionalmente radioativos. Randall Park aparece como um dos clientes de Lynette, e Julia Fox surge como uma ex-amiga que devia dinheiro e devolve cinismo. Eli Roth (sim, o diretor de filmes de terror) entrega um vilão asqueroso que parece ter saído direto de um filme do Gaspar Noé.

Caron filma tudo com precisão cirúrgica, sem trilha sonora sentimental ou câmera tremida tentando gerar empatia barata. É cru. É seco. É o tipo de filme que não tenta te manipular: ele apenas esfrega a realidade na sua cara com tanta força que você se sente cúmplice. Há ecos de “Good Time” dos irmãos Safdie e até de “Os Bons Companheiros”, se a máfia fosse substituída por pessoas que fazem bico no bar da esquina.

Vanessa Kirby brilha não porque grita ou chora – embora também faça isso – mas porque carrega no corpo a tensão constante de quem sabe que o sistema é um jogo manipulado e ainda assim insiste em jogar. Sua performance não pede aplausos: exige silêncio e digestão.

O roteiro é cheio de micro-observações sociais, como o momento em que Lynette pede ajuda para um colega de bar e ele questiona por que ela acha que ele tem “conexões” com o submundo. Racismo estrutural em uma frase. Mas também há espaço para sutilezas: uma troca de olhares, um pedido de desculpa, uma porta que não se fecha completamente.

“A Noite Sempre Chega” não é entretenimento – é experiência. É o tipo de obra que termina e te deixa encarando o nada, tentando entender como é que você vai pagar o próprio aluguel depois de assistir aquilo.

Prepare-se para perder a fé na humanidade e, ao mesmo tempo, reconhecer o quão resiliente o ser humano pode ser. É um filme sobre sobrevivência, mas não aquela heroica de blockbuster. É a sobrevivência do dia a dia, do trampo extra, da ligação humilhante para um ex, do “só mais um dia”.

Sim, a noite sempre chega. E este filme é o lembrete brutal de que, para muitos, ela nunca termina.