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Review Herege: Em Mistura de Jogos Mortais com Bíblia, Hugh Grant se revela assustador

O que o demônio faria se tivesse o rosto charmoso de Hugh Grant, a voz pausada de um professor britânico e um estoque ilimitado de tortas de blueberry? Ele provavelmente abriria a porta de casa com um sorriso, ofereceria uma xícara de chá e diria: “Entrem, meninas, minha esposa está só ali na cozinha.” E assim começa “Herege”, o mais novo delírio religioso da A24, uma espécie de mistura entre “O Livro de Môrmon”, “Jogos Mortais” e uma aula de teologia dada por Hannibal Lecter com colarinho de padre.

Hugh Grant, vivendo sua melhor fase como vilão cênico, entrega um dos papéis mais hipnotizantes do ano como Mr. Reed, um entusiasta da religião, da manipulação psicológica e da decoração vintage. Quando duas missionárias mórmons (Chloe East e Sophie Thatcher) batem à sua porta, a história parece caminhar para o clássico encontro doutrinário… até a porta se fechar com aquele clique seco que, no cinema, é o equivalente a um grito de socorro abafado.

O roteiro é uma armadilha engenhosa. Escrito e dirigido pela dupla Scott Beck e Bryan Woods (os mesmos de “Um Lugar Silencioso”), “Herege” não tem pressa para virar horror. Pelo contrário: ele se deleita na conversa, na retórica, nas provocações filosóficas. Grant, com seu ar de professor de Oxford que perdeu o limite entre ceticismo e sadismo, questiona as jovens com a elegância de um inquisidor que cita Nietzsche enquanto corta a torta. Ele não quer convertê-las, quer desprogramá-las. Como um anti-Mórmon que leu tudo que foi escrito desde o Gênesis até Reddit.

O terror aqui não vem do sangue – embora ele apareça, eventualmente –, mas da linguagem. Dos silêncios desconfortáveis. Da pergunta que você não consegue responder. Da ausência da tal esposa que deveria estar na cozinha. A montagem, claustrofóbica e elegante, te prende tanto quanto as protagonistas. E a fotografia de Chung-hoon Chung (“Oldboy”, “A Criada”) transforma a casa em um labirinto de sombras, escadas e portas que talvez deem para o inferno ou para a sala de jantar.

A interpretação de Chloe East é um tiro preciso. Sua Sister Paxton começa como estereótipo da pureza religiosa, mas ganha camadas e rachaduras conforme as pressões aumentam. Sophie Thatcher, como Sister Barnes, é a voz da razão que aos poucos perde a segurança. E ambas são fagocitadas pela presença inquietante de Grant, que joga como se estivesse em uma mesa de xadrez existencial.

E se você está esperando uma virada, fique tranquilo: ela vem. Talvez mais de uma. Não são todas brilhantes, mas são suficientemente perturbadoras para manter o pesadelo em andamento. E embora o terceiro ato flerte com soluções um pouco convencionais para um filme tão ousado no começo, a essência permanece intacta: “Herege” é uma obra sobre o poder da crença e o terror que existe em confrontar tudo aquilo que você sempre acreditou.

A heresia aqui não é blasfemar contra Deus. É colocar em xeque a estrutura sobre a qual você constrói sua identidade. Por que você acredita no que acredita? O que te impede de duvidar? E se, na verdade, você só estiver repetindo uma história contada por outra pessoa que também nunca questionou nada?

“Herege” não dá respostas. Ele quer ver você suando frio enquanto procura uma. E nesse aspecto, é um dos filmes mais eficazes e ousados do ano.