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Review Jay Kelly: Clooney descasca celebridade em filme de Baumbach

poster melhores filmes de 2025 - jay kellyGeorge Clooney está numa idade perigosa. Aquela em que você olha no espelho e percebe que passou a vida inteira sendo personagem – menos você mesmo. Noah Baumbach sacou isso e fez “Jay Kelly”, filme meta que funciona como terapia pública do próprio Clooney disfarçada de ficção. É cinema sobre celebridade estrelado por uma das últimas estrelas de cinema que existem, tipo cobra mordendo próprio rabo mas de propósito.

Jay Kelly (Clooney) é ator de Hollywood no auge da carreira terminando mais um filme quando três pancadas existenciais destroem a rotina dele em sequência: a filha mais nova Daisy (Grace Edwards) cancela verão juntos pra ir pra Itália, o diretor que deu a chance da vida pra ele morre depois de ser rejeitado num último projeto, e amigo velho Timothy (Billy Crudup) confessa num bar que odeia Jay porque “ele roubou a vida dele” – afinal, se Timothy não tivesse levado Jay naquela audição fatídica, talvez ele mesmo tivesse conseguido o papel que transformou Jay em estrela.

É crise de meia-idade turbinada por culpa de classe A e medo de morrer sem nunca ter sido real. Jay decide abandonar próximo filme, voar pra Itália atrás da filha e aceitar tributo num festival de artes. Seu empresário Ron (Adam Sandler) e publicitária Liz (Laura Dern) vão ter que correr atrás se conseguirem.

Baumbach escreveu o roteiro com Emily Mortimer (que também aparece em pequeno papel) e os dois entendem perfeitamente como esboçar personagens através do trabalho deles. Logo na primeira cena, Jay grava morte emocional do personagem que interpreta pedindo e pede para o diretor repetir – aquela insegurança de ator que nunca sabe se foi bom o suficiente. Enquanto isso Ron usa exatamente o mesmo tom que acabou de usar ao telefone com a filha. Pra Ron, Jay é praticamente mais um filho. Talvez até o favorito. O que paga as contas.

O primeiro ato de “Jay Kelly” funciona como visita dos fantasmas do passado – figuras emocionais do passado de Jay descendo nele tipo fantasmas de Scrooge. Sugere filme mais sombrio do que o miolo entrega. Porque quando Jay viaja de trem pela Itália tentando reconectar com a filha e “pessoas comuns”, Clooney captura bem a alegria de ator fascinado por aqueles de quem celebridade o isolou. Mas roteiro escorrega em vales estranhos, incluindo subplot sobre roubo de bolsa que existe puramente como muleta de roteiro mais tarde. É problemático quando filme sobre celebridade tentando conhecer “gente real” e descobrir núcleo verdadeiro dentro dele começa a parecer calculado e manufaturado.

Essa sensação de que poucos personagens secundários foram realmente desenvolvidos é parte do que faz “Jay Kelly” parecer limpo demais. Personagens interpretados por Stacy Keach (pai de Jay) e Patrick Wilson (segundo cliente de Ron) existem apenas como placas sinalizadoras na jornada espiritual de Jay. É filme que funciona em parte porque é ator que conhecemos olhando pras armadilhas da celebridade e dificuldade de interpretar a si mesmo em vez de personagem roteirizado. Mas também parece calculado.

Parte disso é intencional pra fazer linhas finais inegavelmente poderosas baterem com mais força. Mas muito de “Jay Kelly” soa ensaiado demais, tipo soundbites de celebridade em coletiva de imprensa. Até trilha linda de Nicholas Britell e cinematografia fluida de Linus Sandgren adicionam ao tom frequentemente estéril do filme quando deveria ser obra mais áspera nas bordas.

Graças ao deus das celebridades por Adam Sandler, que rouba o filme parecendo o mais verdadeiro de todos. Sandler entende, seja por observação ou experiência, o que significa devotar vida inteira a alguém em desequilíbrio de poder. Ron e Jay são amigos? Passaram por tudo juntos. Mas Jay paga Ron. E não tem medo de lembrá-lo disso. Isso não joga tudo fora automaticamente?

Sandler encarna perfeitamente cara que foi atingido pelos estilhaços emocionais de Jay repetidas vezes. Cada vez que Jay perdeu recital escolar por projeto, Ron provavelmente perdeu também. Rons não ganham tributos. É melhor performance de Sandler desde “Diamantes Brutos” e lembrete de como ele foi bom em “The Meyerowitz Stories” do próprio Baumbach. O cara entende nuance quando material permite.

Tem várias falas sobre transparência da fama espalhadas por “Jay Kelly”. Filho de Peter diz no funeral: “Meu pai nunca estava lá”. É algo que filhas de Jay diriam também, especialmente a mais velha Jessica (Riley Keough, fenomenal em apenas algumas cenas). Num dos capítulos emocionais mais poderosos do filme, Jessica fala da dor de ver pai interpretando pai amoroso na tela apesar de nunca sentir isso em casa. Atuação de Keough é tão visceral que machuca – ela transforma cena que podia ser manipuladora em algo devastadoramente real.

Então Jay se encontra no final? Felizmente Baumbach, Mortimer e Clooney recusam dar arco redentor completo pra Jay Kelly. Filme termina em nota que parece mais emocionalmente verdadeira que manipulativa. Pousa com sentimento poderoso que muitos vão sentir quando fim estiver próximo. Se tivermos sorte de Jay Kelly.

“Jay Kelly” é filme imperfeito sobre imperfeições de viver vida inteira performando. É limpo demais pra história sobre cara finalmente ficando bagunçado. Ambição excede alcance em vários momentos. Mas tem ideias suficientes aqui pra perdoar, especialmente elenco coadjuvante impecável e mais outra virada fantástica de Sandler.

Clooney é uma das poucas estrelas que pode coexistir no mesmo quadro com imagens de lendas tipo Paul Newman e Marcello Mastroianni sem rejeição imediata. Ele sabe uma coisa ou duas sobre não conseguir caminhar em espaços públicos sem ser cercado. E presumivelmente sobre quanto vida de ator puxa pessoas pra longe de outras coisas nas vidas delas, tipo amigos e família. “Jay Kelly” usa isso tudo como fundação – conhecimento que temos de Clooney real vazando pro Clooney ficcional de maneiras que às vezes iluminam, às vezes atrapalham.

É filme sobre homem no meio de crise de personalidade que se preocupa por não ter uma – apenas personalidades que personagens fictícios e glória da celebridade concederam a ele. Baumbach fez estudo de caráter onde caráter estudado pode não ser totalmente formado. Mas nessa incompletude mora verdade sobre como fama corrói identidade até sobrar só performances.

“Jay Kelly” não vai revolucionar cinema. Não vai fazer você sair correndo pra rever. Mas vai fazer você pensar sobre preço da fama, custo de nunca estar presente, e terror de chegar no fim percebendo que viveu vida de outra pessoa. E se você tem coração minimamente funcional, vai fazer você ligar pra alguém que ama só pra dizer que está lá. Antes que seja tarde demais.


⭐⭐⭐½ (3.5/5)

Onde assistir: Netflix

Vale a pena? Se você curte meta-cinema, adora Clooney e Sandler, ou quer pensar sobre celebridade além do glamour, sim. Se quer ação ou comédia tradicional, passe longe.