Netflix, minha filha, você foi lá e fez de novo: pegou um livro queridinho do público, botou Helen Mirren, Pierce Brosnan e Ben Kingsley pra brincar de CSI geriátrico e entregou uma adaptação que é mais quentinha que sopa de abóbora em dia de chuva. “O Clube do Crime das Quintas-Feiras” é tudo aquilo que seu algoritmo adora: aconchegante, divertido e com um mistério suficiente pra você esquecer da vida por quase duas horas. E se você amou os livros do Richard Osman, prepare-se para abraçar ou surtar com as mudanças.
A história se passa em Coopers Chase, uma espécie de Hogwarts para aposentados, com uma sala de quebra-cabeças que mais parece a sala secreta da Miss Marple. É lá que se reúmem os quatro mosqueteiros da terceira idade: Elizabeth (Helen Mirren, deliciosa como sempre), Ron (Pierce Brosnan, num modo James Bond aposentado), Ibrahim (Ben Kingsley, canalizando todo seu zen interior) e Joyce (Celia Imrie, rainha do entusiasmo). Eles não jogam dominó, meu bem. Eles investigam assassinatos. Sim, porque nada diz “envelhecer com dignidade” como resolver um homicídio entre uma fornada e outra de scones.
O diretor Chris Columbus (aquele que colocou a carta de Hogwarts na sua lareira e fez você amar Esqueceram de Mim) traz uma direção que é puro conforto britânico. Tem sim umas barrigas aqui e ali, mas tudo é tão charmoso que você perdoa fácil. E se o final do filme te pareceu menos impactante que o do livro, não está sozinho. O longa toma um caminho mais convencional, limpando algumas reviravoltas mais ousadas da obra original. Mas compensa com uma direção de arte caprichadíssima (cada apartamento parece uma extensão da alma do personagem) e atuações que valem o stream.
O roteiro de Katy Brand e Suzanne Heathcote não tenta reinventar a roda. E nem precisa. Com esse elenco, bastava jogar as peças no tabuleiro e deixar o jogo acontecer. Mirren é o grande destaque, claro. Elizabeth é afiada, misteriosa, praticamente uma ex-Bond Girl com CPF. Sua relação com o marido Stephen (Jonathan Pryce) é de cortar o coração, especialmente quando a demência entra em cena com a delicadeza que só um bom roteiro sabe fazer.
Mas o que seria do Clube sem os coadjuvantes? Celia Imrie entrega a inocência de Joyce com perfeição: aquela vovó que sorri enquanto lê um caso de decapitação. Brosnan, que podería parecer deslocado, encontra um tom certeiro para Ron, o ex-sindicalista com cara de quem já levou porrada e revidou com charme. Kingsley, por sua vez, segura com classe o tipo de personagem que poderia ser só caricato. E o elenco de apoio? Naomi Ackie, David Tennant, Daniel Mays… todos se divertindo em um universo que mistura Agatha Christie com “As Panteras: Versão Avós”.
Agora, vamos falar de tom. O filme tem aquele ar de domingo à tarde na BBC, com uma pitada de Bake Off e outra de Sherlock Holmes. E quando você acha que está vendo só uma comédia fofa de velhinhos detetives, a história mete um pezinho na discussão sobre eutanásia e você fica tipo: opa, peraí, isso aqui ficou sério. E ficou mesmo. Mas só o suficiente para deixar você com um leve gosto de reflexão na boca antes de voltar ao conforto do chá com biscoito.
Em resumo: “O Clube do Crime das Quintas-Feiras” é aquele filme que você indica para os pais, os avós, e depois assiste junto escondendo que também amou. Pode não ter o impacto de um “Entre Facas e Segredos” ou o estilo de um Kenneth Branagh de bigode cafona, mas tem charme, tem mistério e tem Helen Mirren mandando calar a boca com classe. O que mais você precisa?

