Se a 1ª temporada de Pacificador foi aquele show insano que saiu do nada, deu um tapa na cara do DCEU e ainda fez a gente dançar a abertura no meio da sala, a 2ª temporada chega como o primo que aparece no churrasco três horas atrasado, bêbado de referências e com opinião sobre multiverso. James Gunn, agora todo-poderoso do DCU, resolveu transformar o que era uma comédia suja e surpreendentemente humana num catálogo ambulante de portas dimensionais, piada autorreferente e participação especial que não muda nada. É barulho, sangue e piscadinha para fã… sem a alma que segurava o caos. Resultado: a série que antes parecia banda de garagem afinada virou festival com som estourado—muita luz, muito grito e pouca música.
O diagnóstico começa no roteiro, que troca “personagens lidando com consequências” por “variantes pulando de portal”. A tal “ponte” entre velharia e DCU novo vira ponte rolante: serve para carregar easter egg de um lado pro outro e só. A jornada do Chris, que no ano 1 tinha culpa, trauma, amizade torta e um pai-monstro pairando como fantasma, vira terapia de grupo mal resolvida interrompida por tour multiversal. Quando a série tenta ser séria, escorrega no discurso de autoajuda; quando tenta ser engraçada, repete o mesmo beat de humor até cansar (Vigilante, meu anjo, te amo, mas o contador de “sou idiota adorável” estourou na metade da temporada). E quando tenta ser “importante”, empilha alegoria política com a sutileza de uma bazuca: dá para ler a mensagem no retrovisor do jato da ARGUS.
John Cena continua carismático, sim—o cara segura close chorando e, dois minutos depois, dá um mortal de piada que só ele arranca riso. Mas a série não faz o mínimo para merecer o esforço dele. Emília Harcourt (Jennifer Holland) oscila entre “mulher durona com passado” e planta expositiva; Adebayo (Danielle Brooks) vira bússola moral tão óbvia que você escuta o “pling” quando ela entra em cena; Vigilante (Freddie Stroma) é o meme que virou personagem que virou meme de novo. E Eagly? Transformado em mascote de parque temático: quando a trama emperra, manda o pássaro fazer algo fofo e seguimos. O vilão da vez (e o núcleo militar da ARGUS) é um powerpoint com metralhadora: ameaça muito, atrapalha o ritmo, e no final serve mesmo é para empurrar o Pacificador para o próximo portal.
Tecnicamente, é a velha extravagância Gunn: fotografia saturada em neon de festa retrô, montagem videoclíptica, design de produção que grita “dinheiro!”, trilha que parece playlist de “pai roqueiro” com tempo livre. Só que agora tudo é hiperativo. A cada cena, uma música; a cada música, uma piscadela “viu que cool?”; a cada piscadela, um corte que te impede de sentir o que quer que seja. Quando aparece uma sequência boa (e aparece, especialmente em duas lutas corpo-a-corpo no miolo da temporada), ela é sabugada logo em seguida por mais exposição sobre “como funcionam as portas dimensionais”—porque, claro, nada diz “ritmo” como manual do multiverso recitado.
O pecado capital, porém, é de curadoria. Gunn confunde “coerência de universo” com “amontoado de conexões”. Pacificador funcionava porque era esquina suja do mapa—um cantinho em que dava para rir, sangrar e, no meio do lixo tóxico, encontrar humanidade. Agora tudo precisa servir ao Grande Plano: Superman ganhou recado, Criaturas deram oi, Terra-X bateu ponto, e sobrou pouco oxigênio para Chris e sua trupe respirarem. A tal “coragem” de cutucar supremacismo some quando a série tenta abraçar o tema e cede ao didatismo—grande arco “conceitual” resolvido em dois episódios com a profundidade de um post indignado no Threads. Quando volta ao presente, já é tarde: o impacto emocional evaporou.
Nem a velha assinatura de Gunn—o balanceamento de cinismo com ternura—escapa intacta. As cenas “de coração” soam programadas, como checkpoint de empatia: discurso aqui, abraço ali, flash do pai acolá. O Pacificador que antes encarava o espelho e via um monstro tentando não ser monstro agora encara o espelho e vê o próximo cliffhanger. E o final, vendido como “arrojado”, é só cínico: resolve arcos correndo para abrir o tobogã da temporada 3, aquele bom e velho gancho que confunde expectativa com recompensa. A gente sabe quando está sendo preparado para comprar a próxima rifa.
E antes que digam “ah, mas tem gente que quer é diversão”: justo. Só que até diversão precisa de calibragem. Aqui, as piadas repetem, o gore perde o choque, o fan-service vira formalidade, e as melhores ideias (luto, culpa, amizade torta, masculinidade capenga) ficam soterradas sob a avalanche de “olha, referência!”. O saldo? Uma série que parecia terceiro copo de uísque—ardida, sincera, surpreendente—transformada em refri morno com gás demais.
Veredito: Pacificador 2ª temporada é blockbuster de tela pequena com crise de identidade grande. Tem lampejos do que já foi (e do que poderia ser), mas se perde numa romaria de portais e piscadelas para fórum de fã. Se James Gunn quer provar que o DCU tem coração, precisa primeiro lembrar onde guardou o do Chris—e parar de pendurar chaveiro em todo canto do roteiro.
Nota: 2/5 capacetes — dá para rir aqui e ali, dá para curtir uma porrada bem filmada, mas, no conjunto, é Chris Smith preso num multiverso de reuniões de pauta. Se for renovar, tranca as portas, desliga a jukebox e bota gente conversando de verdade no centro. A gente volta a dançar a abertura quando a série voltar a tocar música.

