Imagine ser Tom Cruise nos anos 80: dentes perfeitamente alinhados, a jaqueta de Top Gun ainda cheirando a couro e testosterona, e um telefone tocando com convites para mais um papel onde você pode sorrir, correr e tirar os óculos escuros lentamente. Agora imagine dizer “sim” para um filme do Oliver Stone sobre um veterano de guerra paralítico que vira ativista anti-guerra. Sim, esse foi o momento em que Hollywood, em uníssono, disse: “Tom, você tá doido? Vai destruir sua carreira!”
A notícia vem da Far Out Magazine, e a manchete não poderia ser mais dramática: “You’re going to ruin your career.” Não era um conselho de mãe preocupada — era a elite da indústria implorando para Cruise evitar a cilada chamada Nascido em 4 de Julho (1989), um filme onde ele não corre, não pula de prédio, e, spoiler, passa boa parte sentado. Um verdadeiro pesadelo para o Tom pré-Missão: Impossível.
A bomba era política (e não explodiu Tom)
Dirigido por Oliver Stone — o cara que transformou a guerra do Vietnã em um gênero próprio — o filme acompanha Ron Kovic, um ex-soldado que retorna do Vietnã em cadeira de rodas, emocionalmente devastado e em plena mutação ideológica. Ao invés de bandeiras tremulando e discursos patrióticos, o público ganha uma aula de desilusão em horário nobre.
Cruise não apenas topou: ele mergulhou. Chorou, gritou, se descabelou (literalmente), e entregou uma performance que arrancou aplausos de pé. O Oscar de Melhor Ator ficou só na indicação, mas a reputação do galã-surfista-de-aviões virou a de um ator sério. Aquele Tom que você achava que só sabia dar piscadinha e pilotar motos? Ele sabia atuar, meu querido. E muito.
“Você vai acabar com sua carreira”, disseram. “Confia no pai”, respondeu Tom.
O próprio Cruise comentou:
“Quando aceitei [o filme], disseram: ‘O que você está fazendo? Vai arruinar sua carreira’. Mas eu sempre procurei algo que me interessasse. E fiz isso.”
Enquanto isso, o mundo assistia perplexo: o mocinho de Cocktail fazendo discurso contra o militarismo americano? Sim. O mesmo cara que dançou de cueca em Risky Business agora estava numa cadeira de rodas gritando contra o governo? Exato. Era o plot twist cinematográfico que ninguém esperava — e ainda bem que aconteceu.
E o que aprendemos com isso?
Talvez a lição aqui seja: nunca subestime um ator que corre mais que o Flash em todos os filmes. Nascido em 4 de Julho não só não destruiu a carreira de Cruise como consolidou um lado dele que poucos conheciam. Foi o início de uma sequência de papéis ousados que culminaria em Magnólia, Colateral e até o perturbador Eyes Wide Shut — aquele filme que destruiu o casamento dele com a Nicole, mas rendeu belas cenas em corredores vermelhos.
E claro, a cereja no bolo: Tom Cruise aprendeu que arriscar pode render mais que pilotar um F-14. E a gente aprendeu que, às vezes, o conselho mais errado pode te colocar no caminho certo — especialmente se você ignorá-lo com um sorriso Colgate e um salto mortal cinematográfico.

