No geral, os filmes de Darren Aronofsky trazem uma mistura de desconforto com um certo entendimento de como o mundo funciona. Desde a sua estreia com Pi (1998), o cineasta costuma gerar discussões a respeito de seu trabalho e análises acerca de seus personagens complexos e situações que, em alguns momentos, beiram o inimaginável. Assim, podemos dizer que há aqueles que compram a ideia de seus filmes e se sentem confortados a cada novo trabalho lançado e aqueles para quem a sua narrativa não faz sentido e está repleta de erros.
Em A Baleia (The Whale), que estreia nos cinemas brasileiros dia 23 de fevereiro, acompanhamos Charlie (Brendan Fraser, de A Múmia) em uma semana decisiva. Ao embarcar nessa nova história, baseada na peça homônima de Samuel D. Hunter, a sensação de desconforto aparece. Charlie sofre de obesidade severa e não consegue se locomover sem auxílio de instrumentos ou de ajuda de terceiros. Isso afeta a sua vida de todas as maneiras possíveis e ele prefere não se deixar ser visto, exceto por sua cuidadora, Liz (Hong Chau, de O Menu). Ele atua como professor e trabalha on-line, mas prefere deixar a webcam desligada o tempo todo e foge, dia após dia, do provável julgamento silencioso por parte dos alunos.
A rotina de Charlie é monótona. Ele vive sozinho, tem entregadores de comida regulares e tudo esquematizado para que siga vivendo sem grandes mudanças no que ele se propõe a fazer por si mesmo. Mas Charlie nem sempre foi esse professor depressivo, obeso e recluso.
Sua filha, Ellie (Sadie Sink, da trilogia Rua do Medo), aparece e o obriga a abrir os olhos e enxergar melhor as decisões que fez no passado. Por mais que tenha sido uma escolha feita de maneira consciente e baseada no amor, houve consequências. Ellie é uma adolescente com raiva, que não se entende com a mãe, parece ser cruel, mas no fundo apenas reage ao que a vida lhe oferece até o momento. Amargurada, inconsequente e sem perceber o potencial que carrega, Ellie usa todas as ferramentas e oportunidades que tem para se mostrar indiferente ao que o mundo pode oferecer a ela. Afinal, desde pequena ela precisa lidar com a realidade dura que relações familiares podem trazer.
Este encontro entre pai e filha, depois de anos, tem significados diferentes para os envolvidos. Para Charlie, é a oportunidade para se reaproximar de uma pessoa que ele nunca deixou de amar, mas também, de alguma maneira, é uma necessidade que seu ego encontra para trazer algum conforto a ele. Para Ellie, o pai é um gay gordo que abandonou a família quando ela era pequena.
A confusão de sentimentos resulta em um embate entre as poucas pessoas que fazem parte da vida de Charlie: Ellie, Liz, a ex-esposa Mary (Samantha Morton, da série The Walking Dead) e Thomas (Ty Simpkins, de Jurassic World), um jovem que aparece na vida de Charlie de maneira totalmente aleatória.
Aos poucos, a gente percebe que o nosso sentimento em relação ao protagonista é mutável. Longe de ser definido em apenas uma palavra, é possível se compadecer da condição de Charlie, não somente a física, mas principalmente a psicológica. A depressão o impede de ser prático e racional e o torna teimoso. Mas essa teimosia também pode ser algo mais. Aos poucos, fica claro que o altruísmo e o egoísmo andam bem próximos e a linha que os separa é tênue.
Com essa mistura de sentimentos, A Baleia pega o espectador desprevenido e derrama sobre ele o desconforto característico do trabalho de Aronofsky, mas também um olhar mais atento à depressão e como as nossas relações nos afetam como indivíduos e também o papel que exercemos na sociedade. É um filme que pode arrancar lágrimas, mas também pode provocar raiva. É Aronofsky fazendo o que faz melhor; provocar no espectador uma briga interna entre sentimentos e impressões sobre os personagens e, principalmente, sobre a sua narrativa.
O primeiro trabalho do diretor desde Mãe! (2017), que também divide opiniões, traz Brendan Fraser em uma interpretação emocionante e, sem dúvidas, o trabalho que marca a sua carreira. O ator se entrega ao papel por completo e carrega no olhar a tristeza de quem já não quer relembrar o significado da palavra “viver”. A maquiagem e a prótese ajudam, mas não fazem o trabalho completo, é Fraser o maior trunfo do filme.

Forte candidato ao Oscar 2023, Fraser enfrenta Austin Butler (Elvis), Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin), Paul Mescal (Aftersun) e Bill Nighy (Living). Além da indicação a Melhor Ator, o filme foi indicado também nas categorias Melhor Atriz Coadjuvante (Hong Chau) e Melhor Cabelo e Maquiagem. A premiação ocorre dia 12 de março.
Quem lembra de Fraser apenas em papéis cômicos em filmes como A Múmia, Os Cabeças-de-Vento (1994) e Endiabrado (2000), pode ser pego de surpresa, mas quem gostar do ator em A Baleia pode ver que ele já tinha potencial para o drama no começo dos anos 90, quando estrelou Código de Honra, longa de Robert Mandel que mostra um adolescente, nos anos 50, tentando esconder a identidade judaica em um colégio interno. No elenco, além de Fraser, tem Matt Damon, Ben Affleck e Chris O’Donnell, uma amostra da Hollywood que arrancava suspiros das adolescentes da época. Trinta anos após o lançamento de Código de Honra, cada um desses atores está em uma posição diferente na indústria. Para a nossa felicidade, é a vez de Fraser brilhar.

