uma vida honesta review

Review Uma Vida Honesta: O que acontece quando Raskólnikov vira sueco e se apaixona por uma anarquista?

Imagine se Raskólnikov tivesse nascido na Suécia, usasse suéter de lã, não matasse velhinhas, mas se apaixonasse por uma anarquista com carisma de estrela indie dos anos 2000. Uma Vida Honesta (Ett ärligt liv), dirigido por Mikael Marcimain, é um thriller escandinavo que mistura Dostoiévski com protesto estudantil, clima de revolução, playlists melancólicas e um punhado de desilusão juvenil. Baseado no livro de Joakim Zander, o filme é uma descida gelada e sem luvas para o abismo moral de um protagonista que queria fazer o certo – mas aceitou roubar relógios pra impressionar a garota.

Simon (Simon Lööf) é um jovem estudante de Direito que entra na prestigiosa Universidade de Lund com o olhar sonhador de quem ainda acredita na justiça. Mas o baque vem rápido: elitismo, arrogância, professores que parecem saídos de um TED Talk ruim e colegas que comparam relógios como quem mede egos. No meio dessa pasmaceira acadêmica, Simon conhece Max (Nora Rios), uma anarquista linda, articulada e perigosamente magnética, que vive numa república underground com o nome de “Os Bandits”. Spoiler: ela vai virar a bússola moral quebrada desse garoto.

A partir daí, Uma Vida Honesta deixa de ser sobre faculdade e passa a ser sobre uma espécie de estágio não remunerado no caos. Simon é testado pelos Bandits com uma missão digna de GTA escandinavo: invadir uma loja de luxo e roubar relógios. Ele faz. Ele gosta. Ele mergulha. Mas não se engane: apesar de tentar manter o rótulo de bom moço, Simon está cada vez mais atolado em mentiras, omissões e ações que fariam sua avó chorar no IKEA.

A direção de Marcimain é gélida e contemplativa. A fotografia fria, os espaços vazios e os silêncios incômodos criam um clima de tensão latente, como se a qualquer momento alguém fosse jogar um molotov emocional na tela. A trilha sonora erudita é puro contraste: enquanto a narrativa pega fogo, ela permanece gelada, quase irônica, criando um desconforto delicioso em quem assiste.

Max, vivida com intensidade por Nora Rios, é a típica femme fatale política: ela não apenas seduz, ela convence. Sua ideologia é clara, sua manipulação é calculada, e seu corpo é usado como instrumento tanto de atração quanto de revolução. Se essa personagem estivesse num filme americano, teria trilha do Radiohead e close em câmera lenta. Aqui, ela tem discursos sobre derrubar o sistema e olhos que hipnotizam Simon até ele esquecer que precisava estudar pra prova de Direito Penal.

O problema é que, no fundo, Simon não pertence a lugar nenhum. Nem à faculdade, nem ao grupo anarquista. Ele é uma peça solta tentando se encaixar onde não há manual de instruções. Sua trajetória é mais desorientada que o GPS de turista em Estocolmo. E o filme sabe disso – a câmera o observa com distância, quase como se dissesse: “tá vendo o que dá tentar agradar todo mundo?”.

Apesar das boas intenções e do visual elegante, o roteiro comete alguns pecados mortais do cinema sueco contemporâneo: ritmo lento, tensão constante sem alívio, personagens secundários rasos (Victor e Ludvig, os colegas ricos, parecem vilões da Malhação Intercâmbio Nórdico), e um final que não fecha nada, como se tivesse faltado verba ou coragem de concluir o arco. É o famoso “escrevi até cansar”.

Mesmo assim, há méritos. A construção estética é consistente, a atuação de Simon Lööf é cheia de nuances e a sensação de colapso iminente é bem conduzida. Uma Vida Honesta não é sobre respostas. É sobre perguntas que você nem queria fazer. Sobre juventude, culpa, idealismo e a eterna tentação de se perder pra tentar se encontrar.

É o tipo de filme que te deixa com raiva do protagonista, mas te faz lembrar dos próprios deslizes ideológicos na juventude. Que cutuca a hipocrisia da militância de sofá e escancara o privilégio da revolta quando se tem onde voltar.

Disponível na Netflix, Uma Vida Honesta pode não ser um thriller perfeito, mas entrega uma jornada desconfortável, provocadora e esteticamente marcante. Se você gosta de filmes sobre queda moral, caos emocional e amores que mais parecem seitas, prepare a pipoca – e o incômodo.