Imagine o seguinte cenário: você está preso em um pesadelo dirigido por David Lynch, com trilha sonora do próprio demônio e Nicolas Cage canalizando o espírito de Tiny Tim num culto satânico. Pronto, você está em Longlegs, de Osgood Perkins. E se ainda estiver se perguntando se vale a pena embarcar nessa viagem insana, a resposta é um sonoro sim — especialmente se você curte filmes que não apenas perturbam, mas permanecem grudados no seu inconsciente como glitter em festa infantil.
A trama gira em torno de Lee Harker (Maika Monroe), uma agente do FBI com dons psíquicos que investiga uma série de assassinatos familiares grotescos. O detalhe é que tudo aponta para um serial killer conhecido apenas como Longlegs, interpretado por um Nicolas Cage completamente entregue à bizarrice da coisa toda. Imagine o Hannibal Lecter com um toque de palhaço deprimido do interior. É isso. E funciona!
O filme começa como um home movie bizarro dos anos 90, com um prólogo tão eficaz que parece que alguém deixou um VHS amaldiçoado na sua casa. Depois disso, é só ladeira abaixo — no melhor sentido. A estética é suja, com direito a lentes angustiantes e um design sonoro que poderia ser usado para interrogar espiões da Guerra Fria. Mas nada é gratuito: tudo é parte da estratégia do Perkins para te fazer suar frio e se perguntar se esqueceu de trancar a porta da frente.
A dinâmica entre fé, trauma geracional e manipulação satânica é o que sustenta a espinha dorsal dessa história. Osgood Perkins (filho de Anthony Perkins, o Norman Bates original) não tem pressa de te agradar. Ele quer te desconcertar — e consegue. Há momentos em que o filme parece tropeçar, especialmente no famigerado “exposition dump” do terceiro ato. Mas, honestamente? Eu estava tão envolvido com o universo que Perkins criou que ele poderia ter lido a bula de um remédio e ainda teria me deixado intrigado.
A presença de Alicia Witt como a mãe ultra-religiosa de Harker adiciona uma camada deliciosamente opressiva ao filme, e a revelação de que ela é, na verdade, parceira de Longlegs em sua cruzada demoníaca é de fazer cair o queixo. É como descobrir que sua mãe é amiga íntima do Capiroto e ainda por cima traz bonecas satânicas embrulhadas como presente de Páscoa. E o melhor? Tudo isso com uma naturalidade que beira o cômico. Sim, tem humor aqui, do tipo mais ácido possível — e que funciona.
A estética e o simbolismo são meticulosamente calculados. Desde o nome Harker (alô, Drácula!) até a personagem chamada Camera, que sobrevive para contar a história (ou gravá-la, quem sabe?), o roteiro de Perkins é um prato cheio para quem ama decifrar camadas e subtextos. Mas o grande mérito de Longlegs está em como ele nos faz sentir. É menos sobre lógica e mais sobre desconforto, como aquele pesadelo que você não consegue explicar, mas que te faz olhar duas vezes antes de entrar num quarto escuro.
Sim, o filme poderia ter sido ainda mais estranho — mas já é estranho o suficiente para se destacar num ano repleto de horror genérico. E diferente de tantos “elevated horrors” que prometem o céu e entregam uma soneca, Longlegs mergulha de cabeça na esquisitice e nos leva junto sem pedir licença. Nicolas Cage, inclusive, entrega uma performance que merece ser exibida em loop numa instalação artística do inferno.
Longlegs não é perfeito. Mas é memorável, incômodo, inventivo e deliciosamente diabólico. Um conto de fadas satânico para adultos que gostam de pesadelos bem produzidos. E se você sair do cinema sem saber exatamente o que viu, parabéns: você entendeu tudo.

