À primeira vista, Na Solidão da Noite: Assassinatos na Mansão Bansal (Raat Akeli Hai: The Bansal Murders) se apresenta como um clássico mistério de quarto fechado: numa noite abafada e sufocante no eixo Lucknow–Kanpur, seis membros da poderosa família Bansal são brutalmente assassinados dentro da própria mansão, transformando luxo em cena de horror.
Chamado para resolver o caso, o inspetor Jatil Yadav entra num labirinto de herdeiros mimados, alianças podres, empregados invisíveis e uma elite que quer tudo resolvido rápido — desde que a verdade não atrapalhe os negócios. Mas o filme logo deixa claro que o crime é só o sintoma: o verdadeiro corpo em decomposição aqui é o sistema que protege privilégios, silencia vítimas e chama isso de ordem social.
O assassino revelado (e por que não é quem parecia óbvio)
Alerta de spoilers. Aqui não tem chá calmante, não tem kheer inocente e muito menos final confortável. O que tem é raiva de classe, corrupção institucional e um twist que deixa qualquer um desconfiado até do porteiro do prédio.
Vamos direto ao ponto: não foi Aarav, o filho problemático, viciado, com cara de culpado desde o primeiro minuto. Isso era isca barata — e o filme sabe disso.
O verdadeiro assassino é Om Prakash, o vigia noturno da mansão Bansal.
E não, não foi um surto aleatório. Om Prakash dopou toda a família ao envenenar o kheer enviado por Mataji, esperou o efeito e então partiu para o ataque com um facão de jardinagem. Simples. Brutal. Calculado.
O clichê “foi o empregado” costuma ser preguiçoso. Aqui, funciona porque o roteiro não trata isso como truque, mas como acerto de contas histórico.
O motivo: não é dinheiro. É vingança.
O que move Om Prakash não é roubo, chantagem ou herança.
É a morte da filha dele, Rinki.
Ela morreu por exposição tóxica causada por uma fábrica química clandestina — secretamente controlada por Meera Bansal, a matriarca da família. A mesma família que vivia cercada de luxo enquanto comunidades pobres adoeciam em silêncio.
Om procurou ajuda.
Foi ignorado.
Pela polícia. Pelo sistema. Pela elite.
O assassinato vira, então, vingança social, não crime comum. O filme troca o “quem matou?” por uma pergunta bem mais incômoda:
Quantas mortes legais valem menos que um assassinato ilegal?
Mataji: santa de fachada, cúmplice na prática
Importante esclarecer: Mataji não sabia do veneno no kheer. Om Prakash agiu sozinho nisso.
Mas o filme deixa claro que ela era cúmplice dos esquemas da Meera Bansal, ajudando a blindar negócios ilegais com verniz espiritual. Religião como escudo moral para crimes ambientais? O cinema indiano já fez isso antes — aqui, faz com veneno extra.
O destino de Jatil Yadav: quando fazer o certo dá punição
Inspector Jatil Yadav resolve o caso. Junta provas. Confronta o assassino. Fecha o quebra-cabeça.
Resultado?
Suspenso.
O DGP Sameer Verma entra em cena para proteger o sistema, não a verdade. O recado é cristalino: justiça só funciona até tocar nos donos do dinheiro.
Jatil, então, faz o que resta aos protagonistas decentes em filmes cínicos:
vaza a confissão para a imprensa.
Ele perde o cargo, mas ganha a única coisa que importa nesse universo: consciência limpa.
O verdadeiro vilão não é Om Prakash
E aqui está o pulo do gato do final.
O filme não pede que você aplauda o massacre.
Mas também não te deixa confortável condenando o assassino.
Porque o vilão real é o sistema que protege ricos, mata pobres devagar e chama isso de progresso.
Om Prakash não “vence”.
Ele explode a hipocrisia.
Jatil não “vence”.
Ele sobrevive moralmente.
A família Bansal não é vítima inocente.
É consequência.
Resumo rápido para quem quer dormir (não vai)
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Assassino: Om Prakash (vigia noturno)
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Arma: kheer envenenado + facão
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Motivo: vingança pela morte da filha por poluição industrial
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Segredo da família: fábrica química ilegal
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Jatil Yadav: resolve o caso, é suspenso, vaza a verdade
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Tema central: luta de classes, justiça falida e violência estrutural
Por que esse final incomoda tanto?
Porque ele não fecha com laço.
Não absolve ninguém.
Não oferece conforto moral.
Na Solidão da Noite: Assassinatos na Mansão Bansal termina dizendo, com todas as letras:
quando o sistema falha repetidamente, a violência deixa de ser exceção — vira linguagem.
E isso, meu amigo, é o tipo de final que não acaba quando sobem os créditos.

