Kathryn Bigelow joga a bomba — e o Pentágono explode
Você sabe que o filme causou impacto quando o Departamento de Defesa dos Estados Unidos se sente pessoalmente ofendido.
Foi o que aconteceu com Casa de Dinamite (House of Dynamite), novo thriller da diretora Kathryn Bigelow, lançado na Netflix na última sexta-feira (24).
O longa mostra um cenário de pesadelo: um possível ataque nuclear contra os EUA e a reação desesperada do governo para conter o desastre.
Mas o drama político e militar, estrelado por Idris Elba e Rebecca Ferguson, acabou detonando uma crise real — desta vez, entre Hollywood e o Pentágono.
O filme que fez o Pentágono suar frio
De acordo com um memorando interno da Agência de Defesa de Mísseis (MDA), obtido pela Bloomberg News, o governo americano não ficou nada feliz com a representação de suas forças defensivas.
“Os interceptadores fictícios do filme erram o alvo, e entendemos que isso tem a intenção de ser parte do drama. Mas os testes reais contam uma história muito diferente”, afirmou o documento.
A MDA alegou que Casa de Dinamite subestima as capacidades antimísseis dos EUA, citando inclusive uma fala do personagem de Jared Harris, que menciona uma taxa de interceptação de apenas 50%.
Segundo a agência, essa estatística seria baseada em protótipos antigos — e que os sistemas atuais têm 100% de precisão há mais de uma década (otimismo nuclear é uma categoria à parte, convenhamos).
O Pentágono reforçou ainda que não foi consultado sobre o filme e que o roteiro “não reflete as opiniões ou prioridades desta administração”.
Traduzindo:
Kathryn Bigelow brincou com os brinquedos do Tio Sam sem pedir permissão — e agora o Tio Sam está chorando no Twitter institucional.
Kathryn Bigelow responde com estilo: “Queríamos ser independentes”
Em entrevista à CBS, a diretora, vencedora do Oscar por Guerra ao Terror, confirmou que decidiu não envolver o Pentágono na produção.
“Senti que precisávamos ser mais independentes”, disse Bigelow.
“Mas tivemos vários consultores técnicos que trabalharam no Pentágono. Eles estavam comigo todos os dias durante as filmagens.”
A resposta é clássica Bigelow: realismo brutal com pitadas de rebeldia autoral.
Ela não é de fazer filmes confortáveis — basta lembrar A Hora Mais Escura (2012), que incomodou metade de Washington com sua abordagem sobre a caçada a Bin Laden.
O enredo: quando o relógio nuclear marca zero
Em Casa de Dinamite, Idris Elba interpreta um alto oficial da defesa americana tentando evitar uma guerra total após a detecção de um míssil nuclear “não identificado”.
Rebecca Ferguson vive uma analista que descobre falhas no protocolo de interceptação, e Jared Harris interpreta um estrategista cínico que questiona o próprio conceito de “dissuasão”.
O suspense se passa em tempo quase real, dentro de salas de comando e bunkers claustrofóbicos — um tipo de tensão que Bigelow domina como ninguém.
E, sim, o final é daqueles que deixa o público em silêncio absoluto, se perguntando quem realmente puxou o gatilho da bomba.
Quando ficção e geopolítica colidem
A ironia é deliciosa: o filme que critica o sistema de defesa americano é, sem querer, o melhor anúncio do próprio sistema — porque o Pentágono sentiu a necessidade de reagir publicamente.
O episódio levanta uma velha questão sobre a relação entre cinema e poder:
Até que ponto a arte pode — ou deve — retratar o Estado sem sua bênção?
Bigelow, como sempre, prefere errar pelo excesso de coragem do que pelo medo de ofender.
Conclusão: Kathryn Bigelow segue imbatível no campo de batalha
Casa de Dinamite não é apenas um filme sobre guerra nuclear.
É sobre ego, paranoia e política travestida de patriotismo — temas que a diretora domina desde Guerra ao Terror.
Se o Pentágono queria evitar atenção, conseguiu o oposto: transformou o filme em manchete.
E, convenhamos, quando o inimigo é a burocracia militar, ser chamada de “imprecisa” é quase um elogio artístico.

