Pssica é aquele tipo de série que parece ter sido feita pra você assistir com ventilador na cara e uma câmera de terapia ligada na outra aba. Não tem suavidade, não tem alívio, e não tem sequer um personagem que esteja 100% emocionalmente estável. E esse é justamente o ponto: a série é um retrato quente, suado e sem filtro do que significa sobreviver em meio a uma cidade tomada por um ciclo de violência, machismo, pobreza e, claro, azar. Muito azar. Pssica, aliás, é isso: a maldição invisível que gruda nos personagens e não larga mais.
Dividida em quatro episódios e ambientada em Belém, a minissérie da Netflix é dirigida por Fernando Meirelles e seu filho Quico. Sim, o mesmo Meirelles de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel. Aqui, pai e filho trocam a secura da favela carioca por uma umidade de 98% e mosquitos com raiva. O resultado é uma espécie de Cidade de Deus com dengue, boataria e barquinho no meio do caos.
A trama acompanha três personagens cujos caminhos se cruzam no meio de um pesadelo social que parece não ter fim: Janalice (Domithila Cattete), uma adolescente exposta por um vídeo sexual e empurrada para um inferno de abuso e tráfico humano; Preá (Lucas Galvino), um jovem bandido com crise moral e fuzil nas costas; e Mariangel (Marleyda Soto), uma mãe que só quer proteger o filho gay da violência latente ao redor. Eles não têm muito em comum, exceto pelo fato de estarem todos fodidos, cada um a sua maneira.
Belém é personagem principal da história, com sua paisagem marcada por rios turvos, vielas apertadas e um calor que parece brotar da tela. A direção faz questão de mostrar a cidade sem maquiagem: lanchas, becos, barcos, labirintos de madeira podre, e o tipo de caos urbano que não se resolve com policiamento ou boas intenções. A fotografia quente, quase febril, ajuda a criar uma atmosfera onde cada suspiro parece pesar dez quilos.
Pssica é cruel. E não por sadismo, mas por honestidade. A série escancara uma realidade que, pra muitos, é invisível. O tráfico de meninas, a violência doméstica, a homofobia, o machismo estrutural – tudo é mostrado sem firula, sem trilha dramática explicando como você deve se sentir. Não tem vilão de novela, tem gente ruim porque foi quebrada pela vida. Tem gente boa fazendo merda porque às vezes não tem outra opção. Ou acha que tem, mas não tem.
As atuações são um destaque à parte. Domithila Cattete como Janalice é um soco no estômago: vulnerável, esperta, traumatizada e determinada. Marleyda Soto carrega a dor de uma mãe com olhar calado, e Lucas Galvino faz de Preá um anti-herói complexado que poderia estar num rap do Emicida. Ademara, como a carismática Dionette, rouba cenas como uma guia improvável nesse inferninho flutuante.
A direção de Fernando e Quico é segura, apesar de algumas escolhas estéticas questionáveis (intertítulos com frases tipo fortune cookie às vezes mais atrapalham do que ajudam). A narrativa tem pulso, ainda que derrape em momentos de excessos estilísticos que parecem querer mais impressionar do que aprofundar. Mas o saldo é positivo. Dá pra sentir o desconforto pulsando.
Pssica não é pra quem quer final feliz, ou redenção, ou justiceiro. Não tem alívio cômico, não tem punchline. Tem uma espécie de pesadelo em quatro atos que termina deixando você com mais perguntas do que respostas. E talvez essa seja a maior força da série: ela não explica. Ela mostra. Mostra e vai embora, como uma pssica que passou, mas talvez não tenha terminado.
Prepare o ventilador, o suco gelado e o emocional. Você vai precisar.

