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Review Bacurau: O faroeste sci-fi que virou radiografia do Brasil

Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, Bacurau é o novo filme do aclamado diretor Kleber Mendonça Filho. Será que encanta assim como Aquarius o fez em 2016?

Se o Brasil fosse um gênero cinematográfico, seria um faroeste suado e cheio de pólvora, temperado com delírio sci-fi e aquele humor que só quem já pegou ônibus lotado entende. Essa é a lógica de Bacurau, obra explosiva de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles que, mais do que filme, funciona como espelho rachado da nossa realidade.

Tudo começa quase inocente: Teresa (Bárbara Colen) retorna à cidade natal para o enterro da avó. Mas em Bacurau nada é simples. Caixões na estrada, sinal de celular que desaparece, caminhão-pipa alvejado e, de repente, a cidade inteira sendo apagada dos mapas digitais. A atmosfera passa de crônica nordestina para pesadelo tarantinesco em questão de minutos.

O roteiro é safado: faz a gente acreditar que está vendo um drama social e, quando menos se espera, vira um drink no inferno sertanejo. A trama escorrega de política para violência, de crítica social para massacre gore, e ainda encontra espaço para humor sarcástico – o prefeito que chega oferecendo remédio tarja preta é de rir pra não chorar.

O elenco é um show à parte: Sonia Braga no modo fúria bêbada iluminada, Udo Kier como vilão albino com complexo de Deus e Silvero Pereira na pele de Lunga, um cangaceiro futurista que poderia sair direto de Mad Max. Cada personagem carrega um pedaço da mitologia de resistência do sertão. E o museu da cidade, constantemente ridicularizado pelos “civilizados”, guarda justamente as armas que vão virar o jogo.

E aí chegamos ao cerne: Bacurau é sobre memória e união. É sobre um povo que se recusa a desaparecer, que aprende com sua própria história (o cangaço, a violência política, a exclusão social) e transforma trauma em munição. Quando os estrangeiros e seus aliados locais chegam para “caçar nordestinos”, o que encontram é uma comunidade unida que responde na mesma moeda – só que com mais sangue, pólvora e dignidade.

Não é um filme fácil. É violento, incômodo e direto. Mas como todo clássico, é também libertador. Porque no final, quando a poeira baixa e o som dos tiros ecoa, sobra a certeza: em Bacurau ninguém dorme no ponto.


FAQ sobre Bacurau

O que significa Bacurau ser apagada do mapa?
Representa a tentativa de invisibilizar comunidades periféricas e pobres. Ao apagar a cidade digitalmente, o filme mostra como elites e governos tentam “deletar” populações inteiras da memória oficial.

Por que o filme mistura faroeste, sci-fi e gore?
Para criar um gênero híbrido que traduz o Brasil: um país onde o passado colonial, a violência política e a modernidade precária convivem em choque constante. O faroeste dá o espírito de resistência, o sci-fi aponta para o futuro sombrio e o gore escancara nossa brutalidade.

Qual o papel do museu no filme?
O museu guarda a história de Bacurau e suas armas de resistência. É metáfora clara: só quem valoriza a memória coletiva consegue sobreviver ao apagamento. Os forasteiros ridicularizam o museu, mas é justamente dali que surge a força da cidade.

Por que a cena da morte da criança é tão impactante?
Porque escancara a covardia dos invasores e conecta a ficção com tragédias reais do Brasil – quando jovens pobres são mortos sob a desculpa de “estavam armados”. O impacto vem da coragem de mostrar esse abismo social sem anestesia.

O filme é de esquerda?
Mais do que “esquerda” ou “direita”, Bacurau é um grito de resistência contra qualquer poder que queira silenciar comunidades. O discurso é político, sim, mas universal: união popular contra exploração e apagamento.

Por que compararam Bacurau com “Drink no Inferno”?
Porque ambos começam em um gênero (drama social/policial) e mudam radicalmente no meio, revelando outra natureza (massacre gore/vampiros). Essa virada pega o público de surpresa e reforça a sensação de estar num território imprevisível.

Qual a mensagem final do filme?
Que a justiça, quando não vem de cima, nasce de baixo. Bacurau mostra que o futuro pertence a quem resiste, lembra e luta em coletivo – mesmo que isso custe sangue.