O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Gran Turismo possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
ADAPTAÇÕES DE GAMES PARA O CINEMA COSTUMAM SER FRUSTRANTES. Dito isso, é preciso levar em consideração que Gran Turismo segue um caminho curioso. Afinal, sua narrativa é inspirada não necessariamente no game, mas na vida de Jann Mardenborough. Ele é o autêntico azarão, que aproveitou uma oportunidade de ouro para realizar o seu sonho de ser piloto de corridas.
Cá entre nós, amamos histórias de pessoas que saem do absoluto nada para conquistarem sucesso, reconhecimento e grana. Acompanhar a realização do sonho de uma pessoa é uma potente válvula de escape para nos incentivar a seguir correndo atrás dos nossos próprios sonhos. De Karate Kid, Jogos Vorazes e o clássico Rocky, o cinema sempre entrega boas histórias de superação.
Felizmente, Gran Turismo não se resume a isso. Como um bom filme de corrida, ele segue os passos dos recentes Ford vs Ferrari e Rush para deixar os espectadores tensos, como se eles mesmos estivessem disputando as provas. Essa sensação imersiva é fundamental para envolver a audiência. Mesmo quem não dirige (meu caso), se empolga.
O mérito está no trabalho do cineasta Neill Blomkamp, que vem oscilando desde seu primeiro grande trabalho Distrito 9 (2009). Se não é genial, pelo menos é eficiente nas escolhas de como trabalhar a dinâmica do inexperiente piloto tentando provar o seu valor dentro de um meio competitivo e tóxico – incluindo as belas sequências de ação nas pistas.
Porém, o que é bem construído quando pensamos em ação, é inversamente proporcional às tentativas de estabelecer um conflito emocional entre pai e filho. O observador mais atento até pode entender as nuances da relação e perceber mais uma camada de interpretação para Gran Turismo (a vontade de se provar para o pai – Freud explica), mas a narrativa simplesmente não investe o suficiente para tornar esse detalhe emocionante. Nas mãos de um especialista no tema, como Steven Spielberg, Gran Turismo poderia ser hábil tanto nas curvas quanto em arrancar lágrimas do público. Não é o caso. E tudo bem, afinal, o filme acerta na sua missão principal.
O elenco tem a participação especial da eterna Spice Girl Geri Halliwell, que vive a mãe do protagonista. Aquelas escalações que a gente entende como uma grande troca de favores entre os envolvidos na produção. Nada contra a ruiva, mas basta ver o filme para entender meu ponto. David Harbour, de Stranger Things, é o responsável por conduzir o protagonista pela sua perigosa jornada como piloto profissional. O ator é a segunda melhor coisa da obra (perde somente para as eletrizantes corridas), dosando humor ácido com um espírito paternal que não fica piegas. Ainda temos a surpresa com uma atuação bem Ok de Orlando Bloom, um ator com uma carreira irregular. Por fim, belo trabalho de Archie Madekwe (Midsommar e Beau tem Medo), como o protagonista. Dá conta do recado.
Você não precisa ser um fã dos games (ou de corrida) para gostar de Gran Turismo. Ajuda bastante, claro, mas funciona mesmo para os não iniciados. Basta gostar de competições e boas narrativas de superação. Caso se empolgue após a sessão, recomendo procurar os citados Ford vs Ferrari; Rush; e também Carros; Velozes e Furiosos.

