Resumo da ópera: Balada de um Jogador quer ser Dostoiévski com baccarat, redenção com terno de linho e neon refletido em cada superfície de Macau. Termina como screensaver de luxo: lindo, hipnótico, vazio.
Colin Farrell é “Lord Doyle”, um vigarista em ressaca existencial que vaga por hotéis cinco estrelas como quem procura tomada para recarregar a alma. Ele deve meio mundo, fede a champanhe velho e cola naquelas mesas onde o house edge já vem tatuado no feltro. Entra Dao Ming (Fala Chen), agiota de sorriso sereno e crédito fácil, e Cynthia/Betty (Tilda Swinton), uma caricatura de perseguidora britânica saída de outro filme, talvez um cartoon caro. A promessa: um “último giro” que resolve tudo. A entrega: um desfile de vício sem humanidade, encenado com a solenidade de missa de sétimo dia.
Edward Berger (o mesmo do oscarizado Nada de Novo no Front) filma Macau como planeta estrangeiro, e a parceria com o diretor de fotografia James Friend dá quadros que você penduraria na sala: torres- cassino como catedrais, interiores cavernosos onde o eco devolve seu fracasso com surround 7.1, reflexos a perder de vista (no vidro, na água, no olho, no copo, no elevador… calma, Edward). A trilha entra overscored, sublinha o sublinhado e pede que você sinta — exatamente quando o roteiro não te dá nada para sentir.
O texto de Rowan Joffe, adaptando o romance de Lawrence Osborne, parece acreditar que estética em excesso equivale a profundidade. Não é o caso. Há ecos de Leaving Las Vegas (o viciado que prefere o abismo à cura) e flertes com moralidade e “fantasmas famintos”, mas tudo fica na vitrine: tema dito, não vivido. Quando o terceiro ato pede que nos importemos com a alma de Doyle, a resposta é um sonoro “por quê?”. A câmera conhece o homem; o filme, não.
Farrell faz seu dever: transpira desespero com dignidade, tenta aterrar um filme que levita na própria vaidade. Fala Chen oferece doçura e cálculo numa personagem que merecia muito mais do que a função de ATM emocional. Tilda Swinton, talentosa como sempre, caiu numa armadilha: sua “Betty/Cynthia” é cartunesca ao ponto de quebrar o tom — nem realista, nem sátira, só ruído de alto pedigree.
O que funciona?
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Macau como personagem: a cidade engole Doyle e, por alguns minutos, engole a gente também.
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Alguns set-pieces secos, sem pirotecnia, em que Berger lembra que sabe filmar gente em espaço.
O que implode?
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Overdirection em cada plano; reflexo como muleta dramática.
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Roteiro que confunde artifício com arte: ideias ditas, nunca dramatizadas.
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Trilha insistente pedindo emoção por falta de emoção.
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Caricatura de antagonista (Swinton) que esvazia tensão.
No cassino do cinema, Balada de um Jogador entra com fichas infinitas de produção e sai devendo história. É o típico “pequeno” projeto que parece grande por fora e oco por dentro: luz, vidro, veludo — e nenhum motivo para apostar mais um minuto.
Veredito: Leaving Las Vegas de bacará filmado como comercial de hotel 6 estrelas — bonito de olhar, impossível de amar.
Nota: 2,5/5 (um brinde ao departamento de arte; o resto, casa ganha).

