O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Ladrões possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
CINÉFILO É O TIPO DE CRIATURA MAIS CHATA DA HUMANIDADE. Fãs do Christopher Nolan conseguem derrotar até mesmo os fãs do Los Hermanos em um duelo de quem é mais pedante. O cinéfilo cria ideias na sua cabeça e tem o hábito de rosnar quando um cineasta tem a coragem de ser audacioso e entregar algo totalmente fora do esperado — ironicamente, esse mesmo cinéfilo reclama constantemente da falta de inovação dos diretores. Em Ladrões (Caught Stealing), Darren Aronofsky mostra uma faceta surpreendente: ele pode ser engraçado e leve. E não sei o que seus fãs vão pensar disso.
Em 1998, Hank (Austin Butler) descobre que seu vizinho se meteu com as pessoas erradas e acaba sendo uma vítima da situação. Ele começa a mergulhar em uma história cheia de traições, corrupção e violência, onde não dá para confiar em ninguém e muito menos garantir a segurança das pessoas próximas.
Não é nenhuma novidade ver um cineasta fugindo da sua zona de conforto. Anos antes de se tornar mundialmente conhecido, Peter Jackson era um diretor de filmes bagaceiros, como Fome Animal; Todd Phillips conquistou fama com a trilogia Se Beber, Não Case, mas foi com Coringa que recebeu reconhecimento da crítica; até Martin Scorsese deixou de lado o tema máfia e divertiu a audiência com Depois de Horas. Porém, nenhum desses diretores tem uma base fanática e militante nas redes sociais, como é o caso de Nolan, Zack Snyder e o próprio Aronofsky.
Depois de fazer o público cagar tijolos em Réquiem Para um Sonho, O Lutador, Cisne Negro e mãe!, um dos diretores mais badalados dos anos 2000 se permite uma experiência leve e fora da caixinha. Ao invés de uma narrativa densa ou protagonistas obsessivos pela perfeição ou pela morte, cheia de debates filosóficos ou religiosos, Aronofsky baixa a guarda pela primeira vez e se aventura no “desconhecido” em uma deliciosa comédia policial, digna de Beijos e Tiros, de Shane Black. É uma entrada inusitada dentro da sua filmografia e, ouso dizer, um momento de respiro necessário para a renovação de ideias.
A opção de dirigir uma narrativa que se passa no final dos anos 1990 é curiosa. Primeiro pela coincidência de ser o mesmo ano de lançamento de seu primeiro sucesso, o maluco Pi. Depois porque diretores como Nolan e Scorsese já declararam coisas parecidas com “os celulares arruinaram histórias em tempos atuais”, mas a verdade é que o passado é sempre mais atraente que o presente — já dizia Woody Allen em Meia-Noite em Paris. A melhor parte de uma história dos anos 1990 é a sua trilha sonora. Tem Garbage, Portishead, Smash Mouth, Semisonic, Madonna, Meredith Brooks e um monte de canções da época. Como não amar?
Contando com seu time de confiança, como o diretor de fotografia Matthew Libatique e a montagem de Andrew Weisblum, Aronofsky não faz esforço de ser megalomaníaco ou grandioso. Sua preocupação é contar a jornada de evolução do seu protagonista a partir de situações inesperadas e absurdas, exatamente como a vida real. Com um grupo de coadjuvantes tão distintos (de Zoe Kravitz como a namorada até Vincent D’Onofrio e Liev Schreiber como matadores judeus, Regina King como uma investigadora e Matt Smith como o vizinho punk), as desventuras de Hank ficam ainda mais engraçadas.
É engraçado dizer que Ladrões é o filme mais diferente da obra de Darren Aronofsky, já que ele é ao mesmo tempo o mais normal de todos. Se prepare para quase duas horas de uma comédia de erros imperdível para qualquer fã dos irmãos Coen. Ladrões é a prova de que até o diretor mais obsessivo pode relaxar e ainda entregar algo de qualidade. Não é Aronofsky tentando ser leve. É Aronofsky mostrando que leve também funciona. Simples assim.

